− Aceita um refrigerante? Água?
Ao mesmo tempo em que meneia a cabeça
negativamente, coloca a mão à frente reforçando recusa para a comissária.
Ajeitando-se na poltrona, procura afastar
o incômodo. Desde a decolagem, o estômago trava uma batalha insólita com os
bons costumes. Sem dúvida, se tivesse o corpo mais sadio e aguentasse a longa
viagem por estradas, o retorno seria menos sofrido. Nem de longe imaginaria
entrar num avião. E agora está ali. Desconfortável, sentado ao lado do passageiro
que tem fone atolado nos ouvidos e come amendoim salgado num mastigar desembestado,
enquanto vê numa das telas, entre as muitas dependuradas no teto, um filme
cheio de explosões, tiro para todos os lados. O cheiro do óleo torrado é nauseante.
É. Talvez tenha demorado muito a regressar.
Fecha os olhos para embaçar a luz
intensa. E leva um tremendo susto com o balanço forte do avião. Não tolera altura,
não queria estar ali, e essa brincadeira não estava combinada. Segura firme nos
braços da poltrona enquanto aperta os olhos. Pensa ser hora de pedir perdão a
Deus. Os solavancos persistem, um silêncio doído toma conta do ambiente.
Retesado, procura fixar a cabeça no encosto. As mãos latejam. A aeronave
estabiliza-se, e então o comandante explica que atravessaram uma tempestade com
ventos extremamente fortes, deseja um bom descanso a todos e informa que, em
pouco mais de uma hora, estarão sobrevoando a floresta.
Pouco
sabia dele mesmo. Padre Leôncio contava que, naqueles tempos, a malária matava
muita gente, e então a missionária encontrou uma índia cambaleando na estrada,
ardendo em febre, com muita falta de ar, inchada, amarelenta, trazendo
enganchado nas ancas um moleque que chorava sem parar. Levados ao abrigo, a
mulher pouco falou. Tinha nome de Anaí. Muito mal, disse que o menino, desde
que nascera, foi chamado de Ajuricaba pelo pai. Horas depois, ela morreu. E, no
documento do cartório, foi anotado Ajuricaba do Nascimento, filho de Anaí dos
Anjos.
Levado
ao orfanato, o menino cresceu sob os cuidados dos religiosos. Havia outras
crianças, todos meninos. E, devido ao nome de difícil pronúncia, ganhou o
apelido de Jura. Não havia do que se queixar. A comida era boa, farta. A cama
asseada ofertava abrigo. Poucas lembranças restaram do antes. A morada de
janelas largas, piso tijolado, grande, ficava nos fundos da igreja, ao lado da
casa paroquial.
Da mesma idade de Jura, havia
mais cinco: Zinho, Tomé, Tico, Zé Mudinho e Bié. E cada qual possuía quinhão de
tarefa. No geral, além das aulas com Padre Leôncio que ocupavam parte da manhã,
sobrava tempo para brincar. A tarde ficava para a feitura dos rosários de
contas de capiá, vendidos na igreja da capital. Ocupação que relaxava. Bastava
costurar com linha forte de carretel e ter atenção na contagem das bolinhas. Cinco
mistérios com dez Ave-Marias, Glória e Pai Nosso em cada um. Fechado o círculo
do terço, o acabamento era feito com as rezas: Creio em Deus Pai e Salve Rainha,
e, como enfeite final, uma cruz de contas. Tudo separado com nós de três
laçadas.
Zé Mudinho não fazia
rosário. Não aprendeu a ler nem a escrever e não sabia contar as ave-marias. Nesse
trabalho, ficava incumbido de colher as contas. Bastava colocar o velho
caldeirão vazio nas mãos dele, partia numa corrida desvairada para as touceiras
de capiá, lá na baixada. Era bom no serviço. Voltava com o caldeirão abarrotado
de contas, material para muitos dias de trabalho. E, enquanto os outros costuravam,
passava o tempo riscando
a areia do terreiro com um pau. Fazia traços que só ele entendia, e ficava
feliz. Não sofria de leseira, apenas o silêncio é que era muito. Alma boa. Não
havia olhar dirigido a ele que não fosse pago com sorriso.
Além disso, ficava para Jura
o afazer de pescar. Sempre na tardinha. Zé Mudinho ajudava a arrancar minhocas,
mas não ia com ele. Na mata, não podia ser gago do ouvido. O sinal do perigo
exigia todos os sentidos.
Com caniço e isca, rumava
para o igarapé. Soltava a canoa até onde a corda, enlaçada na árvore, permitia.
Arremessava a linha para perto das folhas de jaçanã, e o anzol iscado bailava
na água serena. Dava para ver o peixe abocanhando o chamarisco e tentando se
desvencilhar do enrosco, provocando marolas na água e balançando as folhas
redondas.
Em menos de hora, duas
enormes fieiras de peixes se formavam. Então, chegava a hora do gozo. Trazendo
a canoa para a margem, Jura tirava a camisa e mergulhava no rio. Sentia-se rei,
dava braçadas enérgicas, piruetas acrobáticas. O corpo parecia feito só de
carne, tamanho o desembaraço. Quando emergia, só lhe enxergavam os dentes mostrados
em sonoras gargalhadas. Era o ópio. A água cristalina a lavar a alma e o
perfume das flores de jaçanã desabrochando na entrada da noite.
Refrescado, tomava a direção
de casa. Nas mãos, as fieiras abarrotadas. Logo, logo, os peixes estariam ticados
e marinando nos temperos de dona Zefa. E, naquela quase noite, o olhar para a
mata fechada se mostrava cravejado de mirabolantes luzeiros: a dança dos
pirilampos.
O tempo mudou tudo. Iranduba
ficara pequena para Jura e a maioridade exigia asas. Na cidade, corria a
notícia de que a construção da nova capital do país recrutava trabalhadores de
todos os cantos. E o transporte era sem custo. Padre Leôncio reforçou o intento,
arrumou a velha mala, juntou algumas roupas, e repassou a Jura uma pequena reserva
de dinheiro. E, assim, sem abraço e sem choro, no normal da vida, acenou adeus
aos que ficaram.
No Planalto Central, chegou
meio atordoado. Árvores nanicas, raleadas. Tudo era construção, terra, poeira
vermelha. Nada de fartura de água, nada de chuva. Secura. Trabalhou pesado, mas por pouco tempo, pouco
mais de três meses. Ali, nada mostrava graça. Nem o sol podia ser visto, e calor
não era melado. Ressecava o couro. Sem rio para se banhar, só a poeira cobria
tudo, tirava a beleza do dia. Sequidão.
Assim,
no meio de uma prosa, conseguiu encaixe num transporte que o levaria para São
Paulo.
As luzes internas do avião são
apagadas. Não há mais filmes nas telas, tudo quieto. Alheado de tudo, Jura nem
havia percebido. Assusta-se. Pelo horário e conforme a fala do comandante, a
aeronave deve estar sobrevoando a floresta. Na cabeça de Jura, pura aflição.
Pavoroso pensar que, se o avião caísse, ficaria perdido no meio da selva. Coça
a cabeça enxotando o mau agouro. Do lado, o parceiro da viagem está largado na
poltrona, a sono solto. Corre os olhos, todos estão com as poltronas deitadas.
Passa a mão pelos lados do assento, apalpa toda a volta. Nada de achar o botão
para abaixar o encosto. Contém o ímpeto de cutucar o parceiro para pedir ajuda.
Não, não teria cabimento. Tenta mais uma vez descobrir o infeliz do botão, mas
desiste. Ajeita-se como pode, na vertical. Afinal, sabe que não vai dormir.
Além do medo que esfria as tripas, a ânsia de chegar dá comichão.
São Paulo era um desvario de
tamanho. Abraçado à mala, foi deixado na praça do centro. Final do dia, céu
encharcado de nuvens pretas. Gente de passo apressado, gritaria de vendedor,
buzinas estridentes, confusão medonha. Ali, nem Zé Mudinho teria paz. Sorriu
com a lembrança do amigo. Saudade batia forte. Procurou uma ponta de banco,
precisava ajeitar as ideias. Sentado, observava. E o movimento de gente, assim
como a aflição, foi serenando. Logo, poucas pessoas continuavam na praça.
E apareceu Zuleica. Rapariga
bonita que só vendo! Novinha, apesar da roupa estranha e da maquiagem
exagerada, não mostrava acesume. Andava devagar, gestos certeiros, sem ruído.
Agora, os olhos... Ah! Os olhos eram safados. Matreiros, incisivos, falavam
mais que a boca. Então, achegou-se, e o perfume da flor de jaçanã anuviou os
sentidos de Jura. Cheirava à flor, tal e qual. Olhando a velha mala junto ao
banco, Zuleica percebeu que ali estava um forasteiro. Sentou-se ao lado, bem
perto, e falava baixinho. Falava bem perto do cangote, os lábios quase
encostados no ouvido, e arrepiava. E as palavras eram bonitas. Não demorou nada
e Jura se achou esparramado na cama do hotel onde Zuleica vivia. E ali ficou
por dias, semanas. Até que o dinheiro acabou.
Não foi apenas Jura que se
enrabichou por Zuleica. Percebia-se afeição entre os dois. Por um bom tempo,
ela não atendeu outros clientes. Os dois, alegremente, dividiam pão com
mortadela e guaraná. Mesmo quando Zuleica precisou voltar ao trabalho,
continuaram dividindo o quarto. O inconveniente era que Jura precisava ficar na
porta do hotel enquanto ela dava expediente. Mas, convencido pela lábia de
Zuleica, o dono do hotel contratou Jura para o serviço de limpeza e cedeu-lhe o
quartinho dos fundos. Jura conheceu outras mulheres que faziam programas ali. E
foi um desacerto. Refestelou-se na esbórnia. Talvez tenha sido o tesão do
mormaço, tão falado na sua terra. Ficava pensando no esculacho que levaria se
Padre Leôncio aparecesse por ali. Certamente levaria petelecos. Nem saberia
contar quantas doenças pegou, de quantas tratou. Só tomou jeito quando ficou
maninho. Foi o médico que disse, e foi uma tristeza danada.
A amizade com Zuleica era o
que lhe animava. E foi ela que o ajudou a arrumar os documentos, todos, e ainda
cuidou dele durante as doenças. Tinha paciência de explicar tudo da cidade
grande, ensinar as malícias nos tratos e nos destratos. Jura era desprovido de maldade,
demorava a perceber a sutileza de insultos.
Certo dia, Zuleica contou
que havia conhecido um sujeito estribado. Político lá das Minas Gerais, gentil,
amoroso e que recebera proposta de se mudar para um apartamento de dois quartos,
perto dali. Seria teúda e manteúda. E estava feliz, teria seu canto, sua
privacidade. Mas havia imposto uma condição: o mineiro teria de permitir que
Jura ocupasse um quarto do apartamento. E assim aconteceu.
A convivência era pacífica.
O mineiro aparecia duas vezes no mês. Nestes dias, Jura dobrava turno no
trabalho. Queria ser discreto, dar mais intimidade ao casal. E, ao contrário,
nas folgas do trabalho, zanzava pelas redondezas. Caminhava ao léu, até encontrar
o prédio em forma de peixe. Amor à primeira vista. A ondulação da fachada era o
retrato do movimento da enguia nas águas do igarapé. E essa figura
ziguezagueava nos pensamentos dele, dia e noite.
Foram várias visitas, e, a
cada vez, os olhos apanhavam detalhes da construção ondulada, desenhada pelo
mesmo homem que imaginou os prédios do Planalto Central. As curvas eram alucinantes,
mexiam com o corpo. E Jura decidiu que um dia trabalharia lá. Persistiu.
Semanalmente, perguntava ao porteiro se havia vaga para pessoal de limpeza.
Foram meses, até conseguir colocação. E Zuleica foi junto quando ele levou a carteira
de trabalho para ser preenchida. Dali em diante, era feliz feito passarinho. Cuidava
da limpeza do térreo e do primeiro andar do bloco A, local movimentado, cheio
de vida.
Zuleica resolveu seguir para
Minas, o político a assumiria como companheira. Antes disso, escriturou tudo
certinho no Cartório e surpreendeu Jura quando lhe doou o apartamento e uma boa
quantia em dinheiro, depositada no banco. Foi uma choradeira sem fim, talvez a
única e última de que se lembrava. E, quando ela partiu, não sabia que seria o
último abraço. Mas foi. Meses depois, o
casal foi para o estrangeiro, definitivamente.
A vida seguiu o rumo. Jura
continuou só. Não havia do que se queixar. E chegou um momento de
desvalorização assustadora dos apartamentos do condomínio em que trabalhava.
Aproveitou a chance, vendeu o apartamento que Zuleica lhe dera e comprou outro
ali, no primeiro andar do prédio em forma de peixe. Bênção. Incrédulo, nem
conseguiu dormir na noite em que se mudou.
Guardava apenas um desejo
além do de retornar para a sua terra, onde descansaria. Queria ver o prédio lá
de cima. Mas o pavor por altura nunca lhe permitiu tal façanha. Jamais falou
sobre isso. Fazia algum tempo que relutava com o medo. Estava envelhecendo e precisava
acelerar a proeza. Foi num domingo. Entrou no elevador, subiu até o trigésimo
segundo andar. Nem raciocinava, não queria pensar em que altura estava, não
queria que as pernas tremessem. Chegando lá, abriu a porta da escada de
incêndio. Ficou um tempo parado. Fez o Em Nome do Pai, beijou o crucifixo do
cordão, e foi alteando os pés na escada. Quando botou a cabeça acima do topo, o
vento desenfreado lhe levou o boné. Agachou-se, instintivamente. Estava
apavorado, mas não iria retroceder. Deu mais um tempo, esperou o coração
desacelerar, foi erguendo o corpo aos pouquinhos. Havia mais dois degraus. Se
subisse os dois, veria tudo com clareza. Segurando firme no corrimão, subiu. E
o que viu jamais esqueceria. O serpenteado de concreto era ainda mais belo
visto dali. Enguia gigante. Para não quebrar o encanto, ficou estático, sem
olhar para os lados ou para baixo. Sentia vontade de gritar tanta beleza, mas
nem a voz saía. A luta contra o medo e o êxtase do momento deixaram-no como Zé
Mudinho. Feliz e sem fala. Esta foi a primeira e última vez que viu tudo
aquilo. Ficou registrado.
E chegou o dia de voltar. Aposentado,
sem nada mais que o prendesse ali, desfez-se de tudo. De sobra, apenas a mala
de roupas. Já não mais a velha mala. Nova, de rodinhas, cheia de modernidade.
Nem combinava com ele. E partiu sem olhar para trás, sem tristeza, sem remorso.
Havia realizado um propósito. Feito.
As
luzes são acesas, a comissária avisa que logo o avião pousará. Jura sente as
pernas dormentes, a posição incômoda da poltrona desandou a coluna. Dá
sapateadas no chão, massageia as coxas, os joelhos doem. Que sofrimento! E
ainda vem esse pouso! A batalha do estômago reinicia. A voz do comandante enche
o ar e avisa sobre o procedimento de pouso. Jura aperta os olhos, pensa nas
contas do rosário. Ave-Maria, Glória, Pai Nosso, Salve Rainha, mas não reza. O
avião baixa de pouquinho, parece descer escada. Cada degrau traz o estômago na
goela. De olhos fechados, tem a sensação de estar de cara empinada para frente,
feito passarinho em queda livre. Cerra os dentes com tanta força que sente a
dentadura cortar a gengiva. Isso mesmo. A vida também lhe tirou os dentes.
Quando
o avião toca a pista, abre os olhos e vê que está no nível da terra. E freia.
Aperta os pés no estribo de descanso com tamanha força que os tornozelos
estalam.
É
madrugada, início. As portas são abertas e os passageiros saem por um túnel,
diretamente para a sala do aeroporto. Depois de pegar a mala e chegar do lado
externo do prédio, Jura sente a mormaceira, aquele calor melado que oleia a
pele. De volta. Abraçado.
Desperta
do enlevo com a chamada do taxista. Entra no carro e pede informação ao
motorista. Quer saber como chegar a Iranduba. Qual barco deveria tomar? O
taxista cai na risada.
−
Homem de Deus! De que planeta você veio? Daqui até Iranduba vai pela ponte, e
faz muito tempo!
Sem
jeito, Jura dá uma risadinha e combina que é esse o trajeto a fazer. Menos de
hora, lá está ele, diante do hotel em Iranduba. De frente para a igreja, que
não é a mesma. Nem acredita. Sente vontade de andar, ver tudo, mas não convém. É
madrugada e o corpo precisa de descanso. Clama por repouso.
Dorme
profundamente. Acorda com sol alto. Nem bem toma café, bota os pés na rua. Entra
na igreja. Modificada, moderna, mas os santos são os mesmos. Junto ao altar,
uma lápide com placa de mármore trazendo escrito o nome de Padre Leôncio. Ajoelha-se.
Agora consegue proferir todas as rezas. Em silêncio, fala com ele. Agradece a
oportunidade da vida que lhe proporcionou. Emociona-se. Depois, fica tempo
sentado no banco da frente. Sem pensar, sentindo.
Dá
uma volta no quarteirão. A casa paroquial imponente, nada parecida com a antiga,
de muro alto e grades vazadas, mostram o belo jardim. Não há mais o orfanato.
No lugar, um salão de festa imenso. Nada de ruas de terra. Na baixada que segue
até o rio, lá longe, tudo é asfalto. Não há moitas de capim capiá, nem terra
para arrancar minhocas. É outra cidade, estranha. Vagarosamente segue pelas
ruas. Tenta associar algumas construções às lembranças que guarda. Algumas
vezes, perde a noção de onde está. Muitos jardins, creches, escolas, ônibus
circulando por todos os lados. Crianças brincam nos parques cobertos por
arvoredos. Gente, gente... Estranhos. Tão estranhos como a gente que via nos
parques de São Paulo. Afinal, carregamos em nós as estranhezas.
Hora
do almoço, volta para o hotel. Na recepção, procura informações sobre casa à
venda, sobre os amigos do passado. Recebe cartão de uma imobiliária. A
cozinheira, passando por ali, ouve a pergunta sobre Zé Mudinho e fala que nada
sabe sobre os outros nomes, mas que conheceu Mudinho. Morreu logo depois de
Padre Leôncio, e está enterrado perto da capelinha do cemitério.
Banzeado,
Jura perde o apetite e só trisca a salada. Descansa pouco no sofá. Sai, pega a
direção do rio. As chuvas intensas continuam e a cheia é das maiores já vistas
por ali. O tempo continua carregado. Por fim, ele chega ao igarapé da saudade.
As águas quase cobrem todo o tronco da árvore onde amarrava a canoa. Está longe
da margem, rodeada pelas jaçanãs. Jura acocora-se no barranco. As pernas doem,
a caminhada foi grande.
O
olhar de saudade busca as jaçanãs. Quer sentir o perfume, perfume de Zuleica. A
doce Zuleica, bonita que só. Quer pescar e comer os jaraquis ticados de dona
Zefa, quer mergulhar nas águas do seu igarapé. Queria tanto ter voltado antes...
Das
nuvens carregadas, começam os gotejos. Chove de mansinho. De repente, um
aguaceiro descomunal escurece tudo, e a cortina de água turva os olhos. Jura
olha para o rio. As jaçanãs se desprendem da raiz, a cheia arrebentou-lhes os
cordões. E elas seguem se distanciando da árvore, adentrando o rio. É a morte.
Sem flores, sem perfume. Jura mergulha nas águas, dá braçadas enérgicas, faz
piruetas, sai em busca da flor de jaçanã. Quanto mais se debate, mais a flor se
distancia.
No
hotel, apenas a mala o espera.
Regina
Ruth Rincon Caires
Campinas/SP
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