Puxado por um carro de boi, abria
caminho diante do cortejo o ataúde de seu Tomás Fuleiro. O vento quente e
poeirento das tardes de agosto levantava as saias das carpideiras e arrancava
os chapéus dos homens que seguiam ao lado da pobre carroça....
Seguem alguns breves textos da coluna Colcha de Retalhos, homônima do livro que está disponível gratuitamente AQUI:
CONTRA O TEMPO
Explicou ao filho as coisas da vida e do tempo. Para facilitar, usou o relógio de exemplo:
- Aquele é o tempo, passando.
- Ele fica dando voltas?
- Nem sempre, às vezes...
Era um amor que ofendia.
Incomum, genuíno, esdrúxulo, amoroso demais. Insultava porque ninguém, até então, pudera vivenciá-lo. Nem houvera quem sonhasse experimentar algo assim.
Quem acreditaria num amor daquele jeito, que aceitava carinho amizade conversa carícia atenção cumplicidade respeito amor bem-querer harmonia alegria esperança, sem traição, ruptura, nem desejo de fim? Quem creria naquele absurdo de amor?
Só podia ser farsa! Tal espécie de sentimento...
Embora
compreenda quem se lamenta da sua triste sina e não para de tecer teorias da
conspiração sobre a própria sogra, eu não tenho razões de queixa. Mal vejo a
minha.
É
claro que antes sofri muito. Nos primeiros meses de casado, perdi dez quilos.
Dormia mal, tinha pesadelos em que era atacado...
Amigos, a partir deste mês, publico uma série de trovas. Começo com o tema “Vento”. E o responsável por esta linda concepção visual é meu querido e talentoso poeta-amigo Geraldo Trombin. Espero que curtam a leitura e até o próximo mês!
Abraços poéticos.
Edweine Loureiro
...
Mãe de segunda viagem, a Mariana sabia exatamente o que era parir, mas estava apreensiva com a filha mais velha, nascida cinco anos e três meses antes. A caçula chegaria em alguns dias, bolsa do bebê organizada e o quarto amarelo pronto para o retorno da maternidade. Não sabia ainda quem cuidaria da Roberta durante a maratona do hospital. Queria sua mãe do lado, do pronto socorro à observação, do marido fazia questão, com o pai e os sogros, falecidos, só...
— Boa
tarde, delegado.
— Boa…
— Sabe o que me traz a sua honrada delegacia?
— Certamente, doutor advogado. Veio ver o assassino.
— Preferia chamá-lo de injustamente acusado.
— Como quiser.
— Delegado, não há dúvida que o meu cliente é
inocente.
O delegado espantou-se com a notícia.
— Seu cliente?
— Exatamente. A Cúria contratou os meus serviços.
— Era só o que faltava! Doutor, sejamos sensatos!
— Sensatos,...
Marieta fazia de nossas manhãs um ritual quase litúrgico.
Digo "quase" porque a celebração era íntima e desprovida de devoções a santos,
orixás, entidades, veneráveis virtuosos ou encarnações do tinhoso.
E digo "litúrgico", porque o ciúme de Marieta era uma fé religiosamente cultivada,
algo transcendental que conduzia nossa vida matrimonial com desígnios, dogmas,
superstições e atitudes que beiravam a beatice fundamentalista.
Marieta carregava como uma cruz...
Na
última onomatopeia, meus dedos travaram. Não sei explicar direito, talvez, ou
ainda, de alguma maneira, altivo, vi com os velhos olhos acometidos pelos anos,
a presença que agora as minhas retinas infantis presenciam.
O
convívio com os anos se tornou uma prática que venho diariamente encontrando
nas caminhadas pela orla. Tão diferentes daquelas mesmas pernas brancas
embutidas no bonde, vejo um desfiladeiro de Botafogo, Tijuca, Centro, Ipanema e
Paquetá....
Para Diva
Eu
a conheci num lançamento de livro. A música que tocava era diferente de quase
tudo que estamos habituados. Música contemporânea experimental, creio que era
este o nome. Enquanto muitos pareciam estranhar, ela demonstrava prazer e
alegria. Logo soube que tinha a ver com seu neto, que foi morar nos Estados
Unidos justamente para estudar esse tipo de música.
Da
música e do neto passamos a falar de outros assuntos, e ela começou a contar
episódios...
“– você pode ser um leitor-nada e,
se realmente não acreditar em nada,
ainda pode ler um livro sobre isso:
você pode ser mulher,
e isso não é nada,
como nada é ser homem, afinal,
você terá de raspar os pelos
e isso também não faz diferença:
– a vida está cheia de nada
e, ainda assim,
tensiona as coisas –
e por isso seguimos insistindo, mesmo
[por nada]”
do livro (...) ou reticênciasentreparênteses, Editora Pat...
De tudo o que nos incrimina, o que nos condena é a mudez.
(cinthia kriemler)
Eu fico olhando ele dormir toda noite. Ele não faz um ruído, sabia? É uma coisa assustadora. Não ronca, não respira alto. Parece alguém em coma; um semimorto. Como é possível? Isso não é justo. Não está certo...
Apeteceu-lhe
ir escorregando por uma rua sem fim, uma rua muito inclinada e muito, muito,
sem término nem que fosse em pensamento. Uma rua imensa, mas nem lisa, um piso com
altos e baixos de modo que, de onde em onde, pelo percurso, lhe pulasse o corpo,
fosse este torturado, os ossos a furarem a...
Por Lohan Lage Pignone
A
poesia causa dor lacerante
Na
folha de papel
Que vê
ceifada a sua pureza
Quando
tocada pelo cabo úmido
De uma
pena, com sutileza.
Desvirginada,
a folha antes casta
Agora
de sua essência se afasta
Cedendo
todas as suas margens
Às
invasoras que se dizem marginais.
Outros
seres a possuem
Sem
permissão.
Objetos
pontiagudos,
Nas
mãos de homens mudos
Que só
dizem em poesia
Maculando
a honra daquela
Cuja
dor lhes...