Na
última onomatopeia, meus dedos travaram. Não sei explicar direito, talvez, ou
ainda, de alguma maneira, altivo, vi com os velhos olhos acometidos pelos anos,
a presença que agora as minhas retinas infantis presenciam.
O
convívio com os anos se tornou uma prática que venho diariamente encontrando
nas caminhadas pela orla. Tão diferentes daquelas mesmas pernas brancas
embutidas no bonde, vejo um desfiladeiro de Botafogo, Tijuca, Centro, Ipanema e
Paquetá. Isto é o Rio de Janeiro, nem precisa da rima com primeiro mês do ano.
Outro
dia, ouvi meu nome, não foi um anjo torto, mas a voz de um amigo deformada
pelas oscilações dos paredões rochosos dos condomínios fechados. Raimundo me
chamou para ver o ornamentado jardim de flores que organizou no quintal de
casa. Em todos estes anos na cidade maravilhosa, não deixei desaparecer o
sotaque mineiro. No inicio alguns esqueceram as críticas no meio do caminho,
para me dizer que não demoraria mais que o amanhecer da entrega do leite e meu
sotaque fechadim desapareceria. Já passaram mais de meio século de homens
partidos e continuo itabirano com o suor da parteira preso nos tornozelos.
Olhando
as flores em silêncio, escutava Raimundo em uma sinfonia de falas e menções
sobre o tempo que foi e não é mais. Os ombros suportam o mundo, mas eu ainda
tenho esperança de um dia ver o mundo suportar os ombros. Acostumei enxergar o
inverso das coisas, passados tantos poemas, tenho a terrível inquietude de ver
a lata de lixo ser considerada a melhor amiga do poeta. Posso revoltar-me, mas
as conversas de Raimundo são prosaicas demais, isso me rememora os homens de
chapéu e cantigas em tons menores durante as obras da reforma do Colégio
Arnaldo, que tiravam a atenção para crescimento de Belo Horizonte. Há sempre
uma resposta que não gostaríamos de ter.
Em
todos estes anos de poeta, tenho perambulado muito pelo Rio, principalmente
pelas proximidades dos colégios. Tão antigos em suas construções e em suas
classes de português . Nas conversas na saída de aula, ouvi certa vez, alguns
estudantes secundaristas discutindo que Lili foi a única com um destino feliz.
Nunca tinha me perturbado com tal afirmativa, nem as noites passadas em frente
o datilografo traduzindo Balzac, Proust, Lorca, escrevendo crônicas para o
Correio da Manhã tiveram um peso tão imenso sobre minha poética. Sem necessitar
da identidade, estrada ou bonde, voltei aos bancos escolares do Colégio
Anchieta e principalmente para a aula de gramática. Percebo a minha primeira
briga com a linguagem acadêmica, valendo a minha expulsão. Insubordinação,
palavra que me persegue por largas décadas. Somente o meu nascimento em Itabira
tem um aspecto mais remoto.
A poesia,
uma insubordinação, perante a existência dos homens, que chega sem avisos
prévios, exigindo apenas o dedilhar dos dedos cansados, nem sempre formando
onomatopeias, ficando apenas com os versos. Me pergunto, e agora? Tantos Joses
na cidade, qual deles é a essência do retrato? Nas vezes que encontro pela
janela do sólido edifício o mar, ele não responde da forma como imaginei quando
menino lá em Itabira.
Depois já em Belo Horizonte , despertava para outros interesses
e o mar continuava a ser uma linha de imensidão que ecoava em meus pensamentos,
sem as águas tranquilas com marinheiros fiéis.
A
verdade nasceu com a pena tinteira que herdei do meu avô materno, para anos
depois ser usada nas assinaturas dos prontuários farmacêuticos, que se afastou
definitivamente da minha mão antes mesmo do buço endurecer.
Nesta
natureza involuntária da vida, Carlos de Paulo Andrade e Julieta Augusta
Drummond, que aprendi ao longo da timidez itabirana a chamar de pais. Depois
Pedro Nava, Milton Campos, Oswald e Mário de Andrade, Manuel Bandeira, ajudaram
a formar gerúndios faltantes, ardendo em fagulhas quando me deparo com suas
obras em prateleiras empoeiradas de livrarias. Ultimamente até mesmo as
correspondências arquivei, mas nenhum arquivo é pior que os passos lentos dos
meus oitenta anos.
Quem
bater na porta do 701 do edifício da Conselheiro Lafayette número 60, não vai
encontrar o sorriso mais recluso de Copacabana, mas quem sabe o mais gauche.
Elas se estivessem aqui, diriam mais poético. Dolores e Maria Angélica, duas
mulheres que a vida se responsabilizou em fazer o vão não ser mais que palavra,
e amor, mais que qualquer definição. Herdei delas esse jeito, nenhum poema, nem
mesmo em todas as antologias que coloquei o Carlos rompendo definitivamente com
o eu lírico, conseguiu valer o verso – mais vasto é meu coração.
Sempre
no meu sempre a mesma ausência, caro leitor, podes estranhar, essas voltas e
idas, mas acostumei-me a viver assim.
Desta
vez desconfio que não escrevi um poema.
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