Puxado por um carro de boi, abria
caminho diante do cortejo o ataúde de seu Tomás Fuleiro. O vento quente e
poeirento das tardes de agosto levantava as saias das carpideiras e arrancava
os chapéus dos homens que seguiam ao lado da pobre carroça. Cantigas lamuriosas, intercaladas por orações cristãs, enfezavam ainda mais as crianças que iam sem
vontade ao lado de suas mães sonolentas e ocupadas na enfadonha tarefa de
espantar moscas. Dois urubus e uma matilha de cães vadios escoltavam a multidão
como se buscassem entender o propósito daquele passeio de sonâmbulos, sob o
molestador sol das onze horas de um domingo sem riso.
Guardado por um esquife de madeira
bruta, que sequer fora lixado ou vira mão de verniz, descansava o corpo do
velho que só vivera para fazer troça de qualquer circunstância ou cidadão.
Pouco importava ao caçoísta se perderia amizades ou arranjaria declarados
inimigos. Vivia somente para contar piadas e atribuir alcunhas, mesmo diante da
pior das secas ou da mais dolorosa desgraça.
Por
tratar-se de figura quase folclórica na região, a notícia da morte de Tomás
Fuleiro confundiu as emoções daqueles que o conheciam, pois não sabiam
discernir se o acontecimento fúnebre era razão para tristeza ou alívio.
Independente do sentimento que os movia naquele arrastar-se lutuoso, todos
se fizeram presentes, até mesmo aqueles que mais lhe rogaram terríveis pragas
e, por toda a vida, desejaram ao falecido a pior das mortes: Chica Macarrão,
Paulo Tetinha, Liduína Galope, Lalá Boqueira, Brito Pinguelo e até o Afrânio
Mãozinha, que havia prometido ao povo de Banabuiú que, se eleito fosse,
expulsaria seu Tomás do Sertão Central. A simpatia popular pela folgazona
promessa de campanha rendeu-lhe o cargo que ainda hoje ocupa no principal
assento da prefeitura.
Após algumas palavras do padre Carmo
Papudinho; Rubem Gilete e Osmar Tremelique depositaram cuidadosamente o caixão
dentro da cova aberta na terra seca. A primeira pá de areia foi jogada para
dentro da sepultura por Zico Pereba, acompanhada de uma delicada papoula que
uma chorosa Jandira Pau Quente arremessou.
Houve consternação. Todavia, uma vez
diante do epitáfio inscrito na humilde lápide, a dor de toda a gente
dissipou-se. O povaréu não encontrou recursos capazes de represar a própria inflamação,
quando Dorival Calango irrompeu em uma gargalhada, enquanto lia o enunciado
gravado no túmulo:
“Aqui jaz um homem sério”.
Emerson Braga
Emerson Braga
7 comentários:
Muito bom! Adorei esse texto. Parabéns, Emerson Braga.
Muito bom! Adorei esse texto. Parabéns, Emerson Braga.
Adorei. Leitura boa é essa. A gente começa e não quer que termine tão cedo.
Delícia de conto curto! Só aqui "Chica Macarrão, Paulo Tetinha, Liduína Galope, Lalá Boqueira, Brito Pinguelo e até o Afrânio Mãozinha" a gente já vê a criatividade do autor. Final muito bom! E faz rir, o que mostra uma outra faceta do escritor que eu conheço como ácido e incisivo. Quem é bom, é bom!
Valeu pela visita e pelo incentivo, Cínthia! Obrigado!
É sim um texto delicioso. Você esbanja talento na narrativa e descrição do cortejo fúnebre. E morri de rir com a criatividade dos nomes como, por exemplo, Jandira Pau Quente. Você vai longe, Emerson Braga!
O texto é tão bom q fiquei imaginando a cena e até pude perceber aridez da cena.
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