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sábado, 13 de abril de 2024

O encontro/desencontro

 

O encontro/desencontro

JP sentou-se numa mesa, situada num recanto anichado debaixo de uma escada, que dava para a parte superior do salão. Era a primeira vez que tinha entrado naquele estabelecimento para tomar um café e descansar um pouco os pés da caminhada desde a estação do metro até ali.

O cansaço não tinha sido por causa da distância percorrida, que não foi muita, mas por causa da viagem em pé na carruagem que o tinha maçado um pouco.

Aquela estação onde saiu não era o seu ponto de destino, mas naquele dia o Metro vinha à pinha e essa foi a razão que o levou a sair antes do tempo.

Nunca tinha ido àquele lado da cidade e, por isso, não conhecia aquela zona que ainda ficava muito distante da sua área de residência e também do seu local de trabalho, que ficava quase no fim da linha. Digamos que ficou num ponto intermédio entre a origem e o fim.

JP ia tão entretido nestes pensamentos que não viu que a seu lado se tinha sentado uma jovem. Só quando ela, numa voz suave, pediu um chá e uma torrada é que ele despertou para a realidade vivida à sua volta. Olhou para ela e momentaneamente os seus olhares cruzaram-se, mas instantaneamente descruzaram-se e não mais se voltaram a encontrar, durante o tempo que estiveram lado a lado no café, que não foi muito tempo. A jovem, assim que comeu a torrada e bebeu o chá levantou-se e foi-se embora. Ele ainda ali ficou mais algum tempo e depois também foi ao seu destino.

Esta cena passou-se numa quinta-feira de manhã.

O pensamento de JP teimava em voltar ao cruzar dos olhares e por aí se detinha mais tempo do que o que o tempo que tinha acontecido, que foi um cruzar de olhares fugaz, mas, mesmo assim, parece que deixou marcas.

No outro dia voltou ao café, mas a companhia da mesa ao lado não apareceu. Voltou na segunda, na terça, na quarta e na quinta, mas nada, só a mesa ocupada por outras pessoas. Na semana seguinte arriscou voltar ao café na quinta-feira, quinze dias depois, e viu-a sentada na mesma mesa a tomar um chá e a comer uma torrada.

Sentou-se na mesa anichada debaixo da escada e pediu um café. Levou a chávena à boca e olhou para ela. Os olhares voltaram a cruzar-se, mas desta vez o tempo parou o tempo e nele se cruzaram.

Nada mais aconteceu e cada um foi para onde tinha projectado ir.

Quinze dias depois, na quinta-feira, ao encontro dos olhares seguiu-se uma troca de palavras de circunstância, mas que escondiam a promessa de encontro de outras palavras.

O café era muito frequentado e os clientes entravam e saiam ao ritmo dos seus afazeres e ninguém queria saber de ninguém. Quem estava, estava, quem já não estava não deixava rasto. Era a vida a andar numa cidade metropolitana, ninguém reparava no outro, só aqueles dois, a jovem e o jovem, vizinhos circunstanciais de mesa num café, situado num ponto intermédio entre a origem e o fim da viagem.

 Correram tempos e uma quinta-feira os dois jovens saíram juntos e despediram-se no passeio, seguindo cada um o seu caminho. Nada sabiam um do outro, porque as conversas tocavam muitos assuntos, mas nenhum de carácter pessoal. Até àquele momento nenhuma palavra acerca de cada um deles, nenhuma inconfidência. Qualquer rumo de conversa que ousasse entrar em domínios de personalidade era orientada com delicada leveza para outro caminho.

Os encontros continuaram e a relação entre os dois foi-se intensificando. À mesa do café conversavam sobre tudo e mais alguma coisa, nada ficando por dizer. Passaram a saber muito das preferências e gostos: leituras preferidas, filmes e músicas, convicções políticas e religiosas, simpatias clubistas, posicionamento relativamente às questões sociais e políticas.

De uma coisa nunca falaram: Quem é Quem.

A companhia circunstancial deu lugar à amizade que cresceu e se transformou numa relação mais intensa e a intimidade começou a pontear e os afectos começaram a aparecer com toda a naturalidade. Quando a afectividade rompeu as barreiras e a relação de uma maior intimidade se mostrou em toda a sua beleza ela disse:

̶  Vamos continuar com a nossa relação da maneira que ela está. Nenhum de nós vai tentar saber quem é quem, seremos dois amantes que se conhecem um ao outro, mas que não conhecem quem é o outro.

Os anos foram passando e o pacto foi cumprido. Nem nome, nem morada, nem estado civil, nem profissão, nada de nada. Só eles os dois num presente sem rasto de passado.

Durante mais ou menos doze anos os vizinhos da mesa do café encontraram-se todas as quintas f

eiras de quinze em quinze e mantiveram intacta a sua relação amorosa.

Em 2020 o mundo foi assolado por uma pandemia que matou milhões de pessoas.

Numa das quintas feiras de Março de 2020 ela sentou-se na mesa do café e pediu um chá e uma torrada e esperou por ele.

Ele não apareceu nesse dia de quinta-feira e entretanto foi imposto o período de confinamento e o café fechou e o metro parou e as pessoas deixaram de andar na rua.

E assim foi durante meses e meses.

Quando o confinamento acabou, o café abriu, o Metro passou a funcionar e as pessoas saíram para a rua.

As quintas-feiras sucediam-se e ela sentava-se sempre na mesma mesa, pedia um chá e uma torrada e continuava a esperar por ele.

Ele nunca mais se sentou na mesa anichada debaixo da escada, que dava para a parte superior do café.

 

 

 

 

 

 

  

 

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