Era o
emblemático machão: cara fechada, sisudo e lacônico, as mangas da camisa
acuadas ante a musculatura dos braços. Chamava ele o sorriso de acovardamento,
e as lágrimas, as rendas de nossa dor, chamava-as de fracasso. Mas isso entre
conhecidos e desconhecidos, na mesa do escritório ou nas mesas de bar; já nos
vulcões de sua intimidade era emotivo, dado a arroubos de sentimentalidade, e
ao assistir vídeos onde filhotes de cachorro brincavam e rolavam, mordiam-se em
ofensivas de fofurice, lágrimas desleais assomavam de seus olhos.
Tal
sensibilidade era o mais frágil alicerce de sua masculinidade e moral
agressiva, dos trejeitos ríspidos, e não atribua-se o fato de ser um valentão à
vida ou, mesmo, a terceiros, não atribua-se a nada senão ao próprio Vander.
Tudo vem de mim, assim acreditava. Um homem tem suas escolhas. Pois seria
errado culpar seus pais ou sua criação, as venturas da genética ou os anos no
exército, seria errado incriminar ocorrências e variáveis quando houve, por
parte dele, a intenção de ser um bruto.
Foi sua
primeira decisão, tomada antes dos passos iniciais, e seria, também, a última e
mais fatídica delas, ocorrida horas depois de entrar no escritório e chutar
portas e paredes, reclamar da ausência dos colegas e só então surpreendê-los
amontoados em torno de um monitor. Juntou-se a eles, não sem antes comentar,
Bando de
vadios.
Às
cotoveladas abriu espaço e ignorou as provocações, e diante da tela estacou:
via-se, num carpete bege, três filhotes de cachorro engalfinhando-se em
brincadeiras. Abocanhavam-se e corriam, rolavam, e eram tão redondos quanto as
lágrimas que de imediato insurgiram-se contra Vander e seu rigor. Mas esta nem
tanto é a história de um selvagem como é uma história sobre o arbítrio, e
malgrado ele não sentisse vergonha de chorar em público, de enfim revelar a
outros o mais sensível recanto de sua natureza, abalou-o e apavorou-o a
contingência de não ter escolha, de ser coagido a soluçar e esvair-se em
prantos.
Tudo
bem, Vander, indagou Regina, uma das colegas, e afagou seus ombros.
Tudo,
tudo, gaguejou ele e virou as costas para o grupo e os cachorrinhos, partiu e
refugiou-se no banheiro. De tão humilhado, evitou os próprios olhos e, bruto
como era, e seria até o fim, secou as gotas com o esmerilhar dos olhos nos
ombros. Ali demorou-se até compreender que tais lágrimas não eram as de sempre,
sensível reação à inocência, mas eram lágrimas de ódio, raiva, de quem
descobria-se enganado e condenado. As últimas a lhe surgir, inclusive, das
pálpebras emergiam maiores e mais lentas, distintas das anteriores. Recompôs-se
em frente ao espelho, ajeitou as sobrancelhas de pelos grossos, e ao sair do
banheiro estava ciente de como todo homem, durante a extensão de sua vida, tem
somente uma decisão a tomar.
O resto
do expediente, enfrentou-o carrancudo e irritado, e a tudo respondia com
monossílabos.
No outro
dia souberam que, ao deixar o trabalho, jogara-se na frente do trem.
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