Volmar Camargo Junior
Ermenegilda de Castro foi a mulher mais bonita nascida na Vila da Pereira. Quando tinha seus quinze, dezesseis anos, muitos rapazes, filhos de estancieiros de toda parte, vinham fazer-lhe a côrte e oferecer mundos e fundos. O pai, Coronel Tibúrcio de Castro, era muito exigente, e sabia o quanto valia a preciosidade que tinha em casa. Então, quando aparecia um filho de fazendeiro rico, pensava que o próximo podia ser ainda mais. Tudo em nome do bem-estar de sua princesa. A Ermenegilda, ou Menê, que era como todos a chamavam, longe de se incomodar com as exigências do pai, ficava muito feliz de ter seu casamento adiado indefinidamente. Na época, só tinha olhos para Vercidino, o moço negro que trabalhava de auxiliar na padaria.
Naquele tempo, eram poucas as pessoas que tinham instrução. A Menê estava se preparando para ser normalista no colégio das freiras em Cruz Alta. Com o pretexto de exercitar o ofício de professora, pediu ao pai se poderia alfabetizar algumas pessoas dali da Vila mesmo. Entre os alunos, deu o nome de Vercidino da Conceição, o padeirinho. Começaram as aulas na varanda da casa do Coronel.
O padeiro, não sabendo como agradar a professorinha, deslumbrado com sua a beleza, e ainda mais com a atenção que esta lhe dispensava, e mais do que tudo com os olhares lânguidos e os sorrisos de canto de boca e aquelas arrumadinhas da mecha de cabelo atrás da orelha que ela fazia, trazia para a família os pães fresquinhos feitos por ele mesmo. E para a fessora, um doce da confeitaria. Sem ter pai, nem mãe, nem maiores gastos consigo, Vercidino empenhava o salário inteiro com o patrão, levando agrados ao Coronel e à Menê.
Em menos de um ano, as visitas dos herdeiros de estância foram diminuindo até cessarem de vez. Não porque a moça estivesse a perder seus encantos, que aliás só aumentavam com a boa administração do Coronel, já que, mais do que os belos olhos da moça, o que o alimentava o apetite dos pretendentes eram os tantos milhares de cabeças de gado do velho, mas porque as repetidas recusas por parte da moça tornaram-se uma lenda local. A única coisa que Menê não recusava eram os regalos de seu aluno preferido.
O Vercidino aprendeu a ler e a fazer cálculos, e nesse mesmo tempo, já sabia ler tão bem, em silêncio e em voz alta, quanto qualquer pessoa estudada. Os agrados à professorinha, à medida que ele se tornava mais e mais empenhado em fazê-la feliz, tanto mais ela os aceitasse, mais finos e deliciosos eram os quitutes que ele preparava com as próprias mãos. Acabou por ele próprio juntar dinheiro o suficiente e encomendar da Capital um livro de receitas de doces portugueses. À vila não restava dúvida: era o mais puro exemplo da falta de amor próprio da herdeira, da falta de cuidados do pai que permitia a uma moça tão linda e rica andar com um pobre-coitado como o padeirinho.
Contudo, chegou um ponto em que a Menê não conseguia mais mover-se sem ajuda: tornara-se uma jovem de lindos olhos verdes, de sedosos cabelos louros cacheados, e pesando quase duzentos quilos. Foi então que, num certo dia, sem que ninguém percebesse, a moça reclamou de dores muito fortes no ventre. Chamaram o médico de Cruz Alta, a benzedeira, o padre, e ninguém conseguia fazer com que ela parasse de sentir dores. Até que, para a surpresa de todos, a cama onde ela estava foi inundada por uma água que, além de Menê, que era instruída, ninguém soube de onde vinha.
Já havia até um princípio de rebuliço entre as boas-senhoras da cidade, dizendo que o padeirinho preparara algum doce estragado, ou até coisa pior: que envenenara a coitadinha. Mas os mexericos só terminaram (mas que virou assunto para quase um século depois, que é o que estamos fazendo agora, nesse exato momento) quando, de dentro do quarto da moça enferma, ouviu-se um choro estridente e forte como o de um touro, o choro do mulatinho de quase cinco quilos que a filha do Coronel acabara de dar à luz.
Vercidino, coitado, foi o único que não pode aproveitar a festa que o Coronel mandou preparar para receber a Vila toda. Apavorado, pensando que sua amada professorinha morria por causa de seus docinhos, correu para o mato com uma corda e só não se enforcou porque ouviu alguém chamando:
"Ô padeirinho! Anda, rapaz! Teu filho nasceu!"
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