Mais
triste que ele, não sei. Marcos Silva se achava invariavelmente triste, uma
tristeza profunda, daquelas sem pé nem cabeça, que não se sabe de onde veio. Havia
morado no interior por quinze anos. Era prometido por mãe que, quando
completasse quinze anos, ia conhecer a capital. Estava, desta feita, morando
com a tia Lurdinha, irmã da mãe, e achava que, com os novos ares, iria se
recuperar. Nada. A tristeza latejava, deixava o corpo completamente sem
sentido. Ele não sentia o cheiro da mandioca cozida com manteiga e não lhe
agradavam, também, os bolinhos de chuva que a tia fazia. A primarada toda
comia, todos se fartavam para curtir as férias, ganhar sustância para sair
pelas ruas. Marcos Silva dava os primeiros passos para fora de casa só no
terceiro dia. Era chamado para brincar de pega-pega, esconde-esconde etc., e
aos poucos ia se enturmando. Até que um dia, numa das saídas de Lurdinha,
Marcos Silva resolveu andar e andar pelo bairro. Conheceu uma escola de dança e
pediu, muito acanhado, para acompanhar – olhar. Viu uma moça muito bonita
bailando, e aquela dança até então incógnita era brilho para seus olhos. Jantou,
à noite, e preferiu se recolher no quarto, para imaginar travessuras com aquela
dança… Plié. Fechava os olhos para se imaginar dançando, mas logo teria de ir
dormir para acompanhar de novo aquela beleza que contemplara no dia. Tia
Lurdinha notou que Marcos Silva estava mais corado, possuía mais vida, e
perguntou o que é que houvera acontecido. “Nada não, tia, é que vi uma menina
dançando e achei bonito, ali, do outro lado da rua”. “Não se meta a besta de dançar. Isso é coisa
de menina. Homem tem é de jogar bola!”. Os dias foram passando e em todos Marcos
Silva dava um jeito de estar lá, observando, cativando e sendo cativado. A
professora viu que ele tinha jeito para a coisa e o chamou para que
participasse. Enfim, a realização: Marcos Silva estava no tablado rodopiando
com seu par. Marcos Silva avisou à mãe que não queria voltar; se fosse de
voltar, morreria – virou decreto. A mãe, então, acatou. A tia, que já
suspeitava dos intentos, aceitou também, já que Marcos Silva estava mais
falante, mais apegado aos primos. Marcos Silva, dois meses depois, já era
bailarino da escola. A professora conversou com a tia, avisando que ballet era,
sim, para menino também, que ele teria as suas funções como dançarino. Tudo
brilhava agora ao redor de Marcos Silva. Ele não precisava esconder o que
gostava de fazer, podia simplesmente bailar. Tirava altas notas na escola, era
o primeiro da sala, mas fazia isso para não haver desculpas para mexer com o
seu ballet. Com dois anos de dedicação, a companhia viajou para São Paulo, para
apresentar um número singular. Marcos Silva foi aclamado de pé e recebeu a
proposta para estudar numa escola russa, com tudo pago. De pronto a família
aceitou, porque já vencera na vida. Vencer na vida era, por seus próprios
meios, alçar voo. Marcos Silva ainda é nosso promissor artista.
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