Não
sei como lidar com a situação. É tudo muito difícil, ainda mais para uma pessoa
como eu, doente. Já não tenho a mesma afinidade com a minha querida mãe,
cooptada pelo mal, desde 2018, precisamente no ano das eleições presidenciais.
Perdi, há muito, a companhia de alguns familiares e amigos, para o meu
bem-estar, para a minha paz. Mas com a minha mãe é diferente, eu não posso
simplesmente colocá-la de lado. Ela mudou muito depois que se converteu para a
seita bolsonarista. Não tem mais pena dos pobres, acha que são um bando de
desocupados porque querem: “É por isso que o País não vai para frente”. Avulta
em predicados à figura da besta-fera, mais conhecido como Bozo. Esteve e está
alimentando as suas sandices em vários grupos no WhatsApp e no Telegram.
No fatídico oito de janeiro, estava na Praça dos Três Poderes e participou de
toda a algazarra, na alucinação de tomar o País a pulso, para os de “sangue
puro”, como já a ouvi dizer. Eu, inclusive, a vi na televisão, para o meu
espanto. Foi detida e passou uns bons dias na prisão, o que não a fez mudar de
pensamento. Nas poucas conversas que tive com ela nesse período, não me
controlei e a tratei como uma criança mimada, que precisava de umas boas palmadas
para se endireitar – ou “esquerdizar”. Depois de cinco meses, foi solta, mas
tendo que usar, obrigatoriamente, uma tornozeleira eletrônica. Ela não se
aquietou, arrumou confusão com um tio meu que é do exército, alegando que ele
estava mancomunado com o comunismo; que ela tinha horror e nojo a gente assim –
imagine o que ela sente por mim; a essas alturas, duvido do seu amor. Agora,
amargo um mês sem notícias dela. A Polícia Federal está no encalço dos
fugitivos. Penso que ela, uma aventureira da terceira idade, está em alguma
selva da Argentina, ou no Paraguai. Nunca imaginei que uma pessoa sã – ou que
eu julgava ser sã – fosse capaz de tantas atitudes tresloucadas. Marina, a
minha esposa, quer procurá-la na Argentina, porque diz que agora é o antro dos fascistas;
como se a Argentina fosse um país minúsculo e pudéssemos encontrá-la em alguma
esquina de Palermo. Esse relato é uma indignação pessoal, para entender, acima
de tudo, como as pessoas são capazes de mudanças drásticas por uma crença, em
qualquer campo da vida. Já deixei de estudar há anos, mas pretendo voltar a cursar
um mestrado em Sociologia, minha área, para desvendar esse mistério, que assola
o nosso País. Será que a carestia e as dificuldades temporárias são capazes de
virar a cabeça das pessoas? Mamãe nunca passou por dificuldade financeira, teve
a sua boa vida como aposentada da Justiça Federal. O que a fez mudar de uma
pessoa dócil, amável, para briguenta e desordeira? É tudo uma grande
anormalidade social? Quero mexer na ferida, até achar uma explicação. Não perderei
a minha mãe em vão.
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