Apesar
de ser bastante cedo e de ainda nem sequer ter jantado, Leonor decidiu preparar
a bagagem, deixando de fora apenas o necessário para essa noite e para se
arranjar de manhã, evitando, pois, pressas e esquecimentos antes da partida que
programara para as 7 da manhã. Isto era, bem vistas as coisas, o último ato
destas suas férias especiais.
Sim,
daí a dois dias retomaria a sua vida habitual de que, muito francamente, já
tinha saudades. Para muitos, duas semanas podem parecer pouco como férias, mas
no seu caso era o máximo que conseguia aguentar sem começar a perder todos os
seus efeitos benéficos.
E
pensar que tudo tinha derivado de um pequeno acidente!
Tendo
arrumado a última peça de roupa de que não iria precisar, sentou-se na pequena
varanda da cabana que alugara para tomar a sua habitual bebida de antes do
jantar e dedicou-se a algo também nada típico nela, recordar como tudo começara.
Desde
bem miúda, sempre gostara de ser o centro das atenções. Podia-se, até, dizer,
que vivia apenas quando reparavam nela. Na escola, tornou-se rapidamente, uma
das mais populares ou, pelo menos, umas das mais faladas, pelas suas roupas
diferentes e, acima de tudo, pelo seu comportamento muito vivo e sempre a
inventar alguma. Mas todos lhe desculpavam as brincadeiras e piadas, até mesmo
os professores, porque não havia maldade nelas, era apenas “exuberância”, como
lhe chamara a diretora.
E
quando um pouco mais tarde descobriu o mundo dos podcasts... bom, foi o paraíso
na terra. Podia agora estar sob escrutínio público quase o tempo todo que
passava acordada, presencialmente ou via ecrãs, o que contava é que não dava um
passo, nada fazia que não fosse imediatamente partilhado.
Inevitavelmente,
mal acabou os estudos arranjou um emprego de relações públicas e, com o seu
feitio e jeito para animar qualquer ambiente, tinha imenso êxito. Mas não tanto
como na Internet, onde se podia orgulhar de ter uns milhares largos de
seguidores que seguiam religiosamente todos os seus passos – bom, fora das
horas de trabalho, bem entendido.
Ora
um belo dia em que estava, como quase sempre, atrasada, Leonor escorregou e,
para grande azar seu, embateu com a cara num muro áspero. Não foi grave, mas
entre equimoses e feridas a sua face ficou uma lástima. Como cumpria os seus
próprios horários sabia que não estranhariam não aparecer na agência nesse dia.
Mas essa ausência não poderia prolongar-se muito ou daria azo a perguntas e,
pior ainda, a alguma visita a casa!
E
havia ainda o problema do seu podcast, nem pensar em filmar-se com aquele
aspeto, tinha uma imagem a defender. Ora no hospital tinham sido muito claros,
não voltaria ao normal antes de 10 a 15 dias.
Passou
o resto do que seria o seu período laboral a dar voltas à cabeça e foi quase no
limite que teve uma ideia genial que resolveria tudo: ir de férias.
Mas
não umas férias como as que costumava tirar, uma vez que os seus seguidores
esperariam ter ainda mais horas com ela. Não, teria de ser algo que
justificasse uma total falta de imagens e de contactos. Pois bem, iria para uma
aldeola que uma prima gabava muito como sendo um oásis de paz, de tal modo que
nem Internet tinha! Mas havia várias opções de estadia, incluindo pequenas
cabanas independentes, uma vez que era um destino muito popular para escritores
e artistas em geral.
Com
a alma de luto pelo corte total com o seu mundo eletrónico, Leonor rabiscou uma
mensagem – sem imagem, claro – para o podcast a informar que fora chamada a
cuidar de um familiar numa terriola isolada, não podendo, pois, manter as suas
transmissões durante alguns dias, usando a mesma desculpa num telefonema para o
emprego.
E lá
foi ela, de orelha murcha, em direção ao exílio. Como o seu nome era bastante
conhecido, pelo menos em certos meios, optou por usar o seu outro nome, Ana,
que nunca utilizara por o achar demasiado corriqueiro, e o apelido da mãe, que
também nunca usava. E como explicação para a sua estadia, caso lhe pedissem
uma, decidiu ser uma escritora em crise de inspiração e que tivera um pequeno
acidente de carro.
Espantosamente,
correu até tudo muito bem, apesar de ser uma vida totalmente diferente da que
levava há anos. Em vez de festas, saídas, convívios, compras, o máximo da
animação era uma ida a um snack local onde “partilhava”, se é que se podia usar
esse termo, uma refeição com meia dúzia de pessoas todas elas enfronhadas num
livro ou em si próprias. E como optara por uma das cabanas, para evitar muitas
perguntas sobre o que lhe acontecera, passava a maior parte do dia sem ver
vivalma.
Mas
não se sentia aborrecida, como esperara. E ao fim de dois ou três dias começou,
até, a sentir um novo vigor, uma paixão renovada pela vida, dando caminhadas
sem pensar em fazer comentários “giros” para o seu público e lendo, até, alguns
dos livros que encontrara no seu alojamento e que não eram nada o seu género,
bom, eram livros e não revistas...
E
foi de alma limpa e renovada que regressou ao emprego e ao podcast após duas
semanas de jejum total.
Só
que em vez de uma vez sem exemplo, por pura necessidade, esta sua “pausa na
vida” der origem a uma nova tradição. Passou a tirar, todos os anos, duas
semanas “especiais” para carregar baterias, apresentando aos seus seguidores
razões variadas para não estar sempre em direto, desde um familiar doente –
pois, deviam pensar que já era azar – a um retiro num local que mantinha
anónimo por razões legais e muitas outras, imaginação sempre fora o seu forte.
Felizmente,
descobrira que duas semanas eram mais do que suficientes para tirar umas férias
de si mesma, se durassem mais tempo as coisas tornavam-se complicadas, como
descobrira da única vez que tentara estender um pouco esse período. Não,
gostava demasiado da sua vida para abdicar dela mais tempo.
Luísa Lopes
Imagem feita com QuickWrite
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