Tantas
sensações contidas, nesse corpo-fármaco, comprimidos. Todo dia penso que será o
último. Não me agarro a uma ilusão de esperança. Somos todos instantes. Breves
silhuetas no tempo – que bonito! Breves traços que se apagarão. Você, por
exemplo, sabe o nome do seu tataravô materno? Não sabe e não tem vontade de
saber, a não ser se for preciso para constar em prova de pedido de cidadania em
um país europeu – eu sei porque o fiz. Imortalidade é uma ficção da ingênua e
volátil cognição humana. A fatalidade é ser normal, nesse mundo insano, onde as
pessoas se comem, roem mutuamente os ossos por dinheiro – sim, há quem diga que
é normal! Com cinquenta e dois anos, acho que tenho algum parâmetro. Trabalhei
em uma dezena de empresas. Todas com a mesma equação: “Trabalhe (morra), para
que eu goze e cuspa na sua cara, depois – bem depois –, quando tiver dado as
suas contas, seu inseto indigente”. Isso eu li na testa de um chefe que se
pintava magnânimo, mas que me olhava dos pés à cabeça com desprezo, como sendo
um objeto servível aos seus interesses. E fui. Reificação. Era preciso trabalhar
dopado e, mais tarde, triplicar na dose para dormir. Dizem que perdi o meu
casamento por isso. “Você foi egoísta, Inácio… Não pensou na carência de sua
mulher?”. Lembro da voz de Diógenes, meu irmão, um sábio capitalista dos
trópicos, dessa vassala republiqueta. Mandei-o à merda depois. O casamento
entrou numa espiral de desconfiança e cobrança. Despachei-a, com delicadeza,
pensando em cortar os pulsos logo após a sua saída. Ela me deixou com uns
farrapos. Mas não me importava, porque prontamente estaria morto. Fui covarde.
Não dei início ao sacrifício. Deveria entregar o meu corpo às divindades
coprófagas. Morro e morro a cada dia, iludido com o fim premente, com a
expectativa de redenção (da vida) ou simplesmente de apagamento. “Nunca passei
por essa terra imunda”. Que os porcos se saciem com as suas lavagens. Que os
políticos sejam depurados e santificados pelo fio da navalha, como antigamente.
Que os poderosos sejam comidos por dentro, numa infestação lenta, espetacular,
de bichinhos necrófagos. Que eu possa saudar o meu fim. Que meus pais e meus
filhos, que nunca existiram, tenham piedade de mim. Que seja crível a
decrepitude da alma. E que, de modo especial, o fim seja o começo da extinção
de tudo que está e que eu sei conscientemente.
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