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sábado, 9 de setembro de 2023

Interlúdio



Sentia-se lassa, mais de espírito que de corpo, após mais um dia de trabalho rotineiro, que nem sequer fora particularmente difícil. Como nunca o era, aliás, podia-se até dizer que poderia executar as suas tarefas meia a dormir, como parecia até acontecer-lhe cada vez mais frequentemente. E a perspetiva de voltar para o seu pequeno apartamento, escolhido mais pela zona do que pelo espaço e comodidade, também não era muito aliciante. Pensando bem, talvez fosse melhor comer qualquer coisa antes. É que entre a despensa e o frigorífico mais vazios do que cheios e a falta de energia de que sofria há semanas, o mais provável era voltar a jantar uma simples torrada, isso se ainda tivesse pão...

Por sorte, estava pertíssimo de um snack que até nem tinha mau aspeto. Decidiu, pois, entrar, sempre seria melhor do que o nada ou quase nada que a esperava. Estava cheiíssimo, mesmo àquela hora nem carne nem peixe do final da tarde. Atendendo a que não era uma zona turística, havia boas probabilidades de sair dali satisfeita, pelo menos no respeitante à qualidade da comida.

Nunca fora particularmente fã de se sentar a balcões, atendendo à sua pouca altura, mesmo de saltos, subir para os bancos era quase como escalar o K2. Mas as mesas estavam mais do que ocupadas e, mesmo assim, só conseguiu lugar porque teve a sorte de vagar naquele preciso momento um lugarzinho no braço curto do longo balcão em L, no extremo mais afastado da porta.

Depois da ginástica usual, lá conseguiu sentar-se mais ou menos comodamente e consultou o menu curto, montado em placas de acrílico e disposto regularmente ao longo da longa superfície do balcão, uma solução eficiente se este tipo de casa cheia fosse o habitual. As opções não eram muitas, mas pareciam apelativas, pediu pois um dos vários combinados e puxou do telemóvel para ler um pouco enquanto esperava, coisa que fazia sempre quando comia sozinha.

Mas, sem saber bem porquê, um casal que estava sentado no extremo da parte longa do balcão, perto da porta, chamou-lhe a atenção. Dando por si a olhar repetidas vezes naquela direção, acabou por desistir da leitura, que também não era assim tão interessante, e dedicar-se mais a observá-los.

Nada tinham de especial, à primeira vista. Ele, normalíssimo de aspeto e visual, pouco ou nada dizia, limitando-se a comer uma ou outra garfada no intervalo de repetidos goles na enorme caneca de cerveja. Quanto a ela, bom, nunca a escolheria como fazendo parte daquele par, demasiado arranjada para a hora e o local e com atitudes e trejeitos mimalhas de uma mulher de 30 e muitos a caminho dos 7. Falava sem parar, esbracejando o mais que o aperto em que estavam o permitia, sem parecer reparar na pouca ou nenhuma atenção que o  seu companheiro lhe prestava.

A comida veio, simples, mas surpreendentemente boa. E enquanto comia foi continuando a observar, o mais discretamente possível, aquele casal improvável.

De repente, os seus olhos cruzaram-se com os dele no momento exato em que ela parecia dizer algo particularmente idiota, a fazer fé na muito breve careta que lhe aflorou a expressão. E trocaram um sorrisinho cúmplice.

Foi quanto bastou para se tornar, durante o resto da refeição, um membro mudo – e distante – de toda aquela cena a três. Ela, afastada e muda, a outra, com amuos, risadinhas e trejeitos mimalhas, ele com ar distante. E eles os dois, a trocarem olhares cúmplices e meios sorrisos.

Saiu antes deles, sentindo-se bem animada e cheia de energia. Adorava estas cenas sem continuação, viver em pleno uma quase sedução sem a menor intenção de a levar ao nível seguinte. Infelizmente eram raras as oportunidades para o fazer, com um homem sozinho não era muito aconselhável, 99 vezes em 100 o seu “interesse” era mal interpretado, e os casais nem sempre se punham a jeito para isso.

Sabia ser uma raridade, a única vez que tentara explicar tudo isto à que era então a sua melhor amiga a sua confissão fora recebida com tanta incredulidade que nunca mais se voltara a confessar. Mas muito francamente nunca entendera porque tinha de haver sempre uma continuação, uma sedução a sério. Não era bem melhor deixar as coisas assim, no ar? Não converter um interesse mais do que passageiro num início de romance? Não, isso não era para ela.

E foi assim, totalmente revigorada, que fez a passo alargado o regresso ao lar, que já não lhe parecia tão opressivo.

O flirt faz bem à alma!

 

Luísa Lopes

Imagem criada com QuickWrite

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