Sentia-se lassa, mais de espírito que de
corpo, após mais um dia de trabalho rotineiro, que nem sequer fora
particularmente difícil. Como nunca o era, aliás, podia-se até dizer que
poderia executar as suas tarefas meia a dormir, como parecia até acontecer-lhe
cada vez mais frequentemente. E a perspetiva de voltar para o seu pequeno
apartamento, escolhido mais pela zona do que pelo espaço e comodidade, também
não era muito aliciante. Pensando bem, talvez fosse melhor comer qualquer coisa
antes. É que entre a despensa e o frigorífico mais vazios do que cheios e a
falta de energia de que sofria há semanas, o mais provável era voltar a jantar
uma simples torrada, isso se ainda tivesse pão...
Por sorte, estava pertíssimo de um snack
que até nem tinha mau aspeto. Decidiu, pois, entrar, sempre seria melhor do que
o nada ou quase nada que a esperava. Estava cheiíssimo, mesmo àquela hora nem
carne nem peixe do final da tarde. Atendendo a que não era uma zona turística,
havia boas probabilidades de sair dali satisfeita, pelo menos no respeitante à
qualidade da comida.
Nunca fora particularmente fã de se sentar
a balcões, atendendo à sua pouca altura, mesmo de saltos, subir para os bancos
era quase como escalar o K2. Mas as mesas estavam mais do que ocupadas e, mesmo
assim, só conseguiu lugar porque teve a sorte de vagar naquele preciso momento
um lugarzinho no braço curto do longo balcão em L, no extremo mais afastado da
porta.
Depois da ginástica usual, lá conseguiu
sentar-se mais ou menos comodamente e consultou o menu curto, montado em placas
de acrílico e disposto regularmente ao longo da longa superfície do balcão, uma
solução eficiente se este tipo de casa cheia fosse o habitual. As opções não
eram muitas, mas pareciam apelativas, pediu pois um dos vários combinados e
puxou do telemóvel para ler um pouco enquanto esperava, coisa que fazia sempre
quando comia sozinha.
Mas, sem saber bem porquê, um casal que
estava sentado no extremo da parte longa do balcão, perto da porta, chamou-lhe
a atenção. Dando por si a olhar repetidas vezes naquela direção, acabou por
desistir da leitura, que também não era assim tão interessante, e dedicar-se
mais a observá-los.
Nada tinham de especial, à primeira vista.
Ele, normalíssimo de aspeto e visual, pouco ou nada dizia, limitando-se a comer
uma ou outra garfada no intervalo de repetidos goles na enorme caneca de
cerveja. Quanto a ela, bom, nunca a escolheria como fazendo parte daquele par,
demasiado arranjada para a hora e o local e com atitudes e trejeitos mimalhas
de uma mulher de 30 e muitos a caminho dos 7. Falava sem parar, esbracejando o
mais que o aperto em que estavam o permitia, sem parecer reparar na pouca ou
nenhuma atenção que o seu companheiro
lhe prestava.
A comida veio, simples, mas
surpreendentemente boa. E enquanto comia foi continuando a observar, o mais
discretamente possível, aquele casal improvável.
De repente, os seus olhos cruzaram-se com
os dele no momento exato em que ela parecia dizer algo particularmente idiota,
a fazer fé na muito breve careta que lhe aflorou a expressão. E trocaram um
sorrisinho cúmplice.
Foi quanto bastou para se tornar, durante
o resto da refeição, um membro mudo – e distante – de toda aquela cena a três.
Ela, afastada e muda, a outra, com amuos, risadinhas e trejeitos mimalhas, ele
com ar distante. E eles os dois, a trocarem olhares cúmplices e meios sorrisos.
Saiu antes deles, sentindo-se bem animada
e cheia de energia. Adorava estas cenas sem continuação, viver em pleno uma
quase sedução sem a menor intenção de a levar ao nível seguinte. Infelizmente
eram raras as oportunidades para o fazer, com um homem sozinho não era muito
aconselhável, 99 vezes em 100 o seu “interesse” era mal interpretado, e os
casais nem sempre se punham a jeito para isso.
Sabia ser uma raridade, a única vez que
tentara explicar tudo isto à que era então a sua melhor amiga a sua confissão
fora recebida com tanta incredulidade que nunca mais se voltara a confessar.
Mas muito francamente nunca entendera porque tinha de haver sempre uma
continuação, uma sedução a sério. Não era bem melhor deixar as coisas assim, no
ar? Não converter um interesse mais do que passageiro num início de romance?
Não, isso não era para ela.
E foi assim, totalmente revigorada, que
fez a passo alargado o regresso ao lar, que já não lhe parecia tão opressivo.
O
flirt faz bem à alma!
Luísa Lopes
Imagem criada com QuickWrite
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