Não
sei se você já fez este exercício: há dez anos eu nunca imaginaria que faria
isso ou aquilo. É tão interessante e bobo pensar nos caminhos que a vida toma…
Em 2012, recém-saído da faculdade – formei-me em 2010 –, deveria procurar uma
carreira promissora prestando concurso, essa era a regra. Um professor
perguntou, numa aula do último semestre, quem faria concurso quando se
formasse. A resposta deixou encabulado os que queriam advogar; foi um massivo
noventa e sete por cento da sala. Entrei nesse bolo concurseiro; levantei a
mão, sem ao menos acreditar no que fazia. Era o desejo do meu pai. Ele faleceu
em 2011. Passado o vendaval do abalo da morte do meu guru, enfiei a cara nos
livros. E uma forte disposição me puxava para longe do embate… Não queria
advogar; advogar = embate. Mas com a morte, teria de buscar um emprego. Era
isso: estudar para concurso e trabalhar na área. Seguiria; contudo, sem crer
que essa fórmula seria possível. E não era mesmo. Foi o caos embarcar num
escritório que se quedava a menos de um quilômetro do principal fórum da
cidade. Dos seis meses em que aí fiquei, não tive oportunidade de pegar
seriamente num livro. A minha chefe me cobrava produtividade – enquanto ela
passeava pelos shoppings e eventos. “Produtividade” quer dizer uma média de dez
petições por semana – mais de uma por dia –; sem contar que tinha de despachar
no bendito fórum apelidado de “O grande elefante branco”. Ou seja, chegava
todos os dias estafado em casa. Minha mãezinha perguntava se eu estava bem, e
eu achava, inocente, que era isso: ralar como uma mula. O trabalho não tinha
nada de intelectual. Devia pegar os casos parecidos e preparar peças “Frankenstein”.
Refletia se ser profissional se resumia a insistir, chatear e montar grotescos
instrumentos petitórios. A pressão só aumentava. Levava casos e mais casos para
trabalhar nos fins de semana, quando devia ser o meu descanso. Não suportando
mais, com uma pilha de processos na mesa, e vendo a minha chefe desfilar nos
salões da high society alencarina, pedi para sair. Recebi uma
gratificação mixuruca. “E se dê por satisfeito”, refleti, derrotado. Não havia
carteira assinada. Era tudo uma grande sociedade, da qual eu era um associado,
parceiro, chapa ou amigão. Sim, devia estudar sério para concurso, foi o que
veio à mente. Recuperar o rumo. A experiência em escritório foi traumática. Se
partisse para outro, poderia ser atormentado pela sombra da loucura. Minha mãe
tinha medo de que eu adoecesse como o meu pai. Ele era bipolar. Teve várias
crises. Um médico, amigo da família, declarava que era algo genético. “Rafael,
você pode sofrer do mesmo mal. Tome cuidado com o excesso”. Isso martelava a
minha cabeça. Eu poderia ser agravado pela doença pelo simples fato de pensar
nela. Que horror. Estudava, dia e noite, com parcimônia. Mãezinha pedia
cautela, que não era sangria desatada: “Meu amor, temos uma renda razoável. Não
pense que a falta de emprego agora é o fim. Já, já, você passa no seu
concurso”. Os meses se acumulavam, a insegurança de saber o que de fato queria.
O Direito tornava-se cada vez mais insípido, principalmente quando teimei em
trabalhar numa empresa de locação de bens. Confere contrato. Lança ficha. Entra
na justiça para cobrar crédito. Sucumbi à “necessidade” de trabalhar – ou à
necessidade de me sentir útil –, enquanto esperava ser chamado num concurso
para procurador de uma prefeitura do interior – eu estava no cadastro de
reserva. Aquilo era monótono e chato. O chefe sabia mais que todo mundo,
inclusive sobre Direito, sendo formado em Administração. Eu não tinha, nem
nunca tive, aptidão para ser babão. Juscelino, um colega advogado, logo se
tornou meu chefe – tendo entrado na empresa comigo. Era o homem de confiança do
chefão porque era “atencioso”, sabia oferecer, na hora certa, cafezinhos e
quitutes ao mandachuva. Só a ele. E eu não via a hora de ser chamado no
concurso, ou de virar a cabeça e viver da minha arte. No tempo livre, escrevia,
num blog, crônicas sobre sociedade e política. Era a minha válvula de escape.
Virou uma precisão a escrita. Depois de dois anos, enfim fui chamado para
ocupar meu posto. Antes disso, dei uma banana ao chefinho que queria ser gente,
humilhando e se gabando de suas míseras conquistas. Hoje, depois de dez anos de
formado, agradeço a Deus a trilha que ele montou para mim. Sou concursado pela
segunda vez. Preferi trabalhar como analista judiciário da Justiça Federal. A
escrita, para mim, é um deleite. Já estou no sétimo livro de poesias. Meus
colegas me chamam de “pimpão”, carinhosamente, porque veem em mim a doçura e a
energia – e não sou tão bom assim. Mamãe insiste que eu me case com Silvana.
Não temos pressa, embora esteja nos planos. Somos novos. E ainda, inocente e
esperançoso, faço o exercício de saber como será daqui a dez anos.
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