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domingo, 9 de julho de 2023

Monólogo no Cinema


 

Nem sei o que me passou pela cabeça, vir ao cinema na minha última noite de liberdade e logo para ver um drama. Já tenho dramas que me cheguem e sobrem, não preciso mesmo nada de mais um. Enfim, agora há que aguentar, pode ser até que me divirta e sei muito bem que não terei muitas oportunidades nos próximos tempos.

Se calhar nem na TV conseguirei ver nada de jeito, aposto que os miúdos estão habituados a serem os donos e senhores de tudo. Ou então o pai, com o seu eterno futebol. Nem sei como podemos ser irmãos, temos gostos e feitios tão diferentes. E nem pensar em ver coisas no computador, se descobrem deixo de poder trabalhar em paz.

Tenho de prestar atenção ao filme, já nem sei bem o que se passa. De onde é que este louraço surgiu? Pensava que ela estava de pedra e cal com o outro, o moreno. Ou será que é esse o tal drama?

As coisas não vão ser mesmo nada fáceis, sobretudo para mim. Nem sei como nos vamos conseguir enfiar todos lá em casa, apesar de ter guardado na arrecadação de uma amiga, “temporariamente”, espero eu, alguns dos meus belos móveis e as coisas mais delicadas. Nunca tinha visto a sala tão minimalista, bom, pelo menos por enquanto, aposto que vai ficar prontamente caótica com roupas, tralha e sei lá eu que mais. Ou o meu quarto tão atafulhado, agora que terá de ser também o meu escritório, mal me posso mexer nele.

Que triste ideia a do meu irmão, ter investido tudo o que tinha na empresa de um amigo. Estava-se mesmo a ver que não ia resultar, a ideia em si já era bastante má e a execução conseguiu ser ainda pior. Mas é bem típico do João, sempre em busca do lucro fácil, sempre a tentar fugir ao trabalho, sempre a deixar-se ir em cantos de sereias. E agora quem paga sou eu.

Mas que grande confusão de filme! Ainda não entendi nada do que se passa. Também não tenho estado muito atenta, confesso. Pudera! Só a ideia de amanhã já não ser senhora da minha casa e de ter de aguentar aqueles monstrinhos a toda a hora! Sobrinhos ou não, foram terrivelmente mal educados pela mãe, a minha queridíssima cunhada, que só sabe dizer mal e pôr defeitos nos outros e torce o nariz a tudo. Como se tivesse nascido em berço de ouro!

Sim, só me faltava mais esta, nunca nos demos bem, ou antes, demo-nos sempre muito mal, e vamos agora partilhar um pequenino T2! E aposto que em menos de nada tenta despachar os seus dois preciosos rebentos para o meu quarto, em vez de respeitar o combinado que era arranjarem-se no outro, com os dois beliches e o biombo que comprei para as excelências. Sim, tive de ser eu a comprar tudo, por ela ocupariam os dois quartos e eu ficaria com o sofá da sala, apesar de a casa ser minha e eles serem meros convidados, ou antes, penetras.

Ainda se ao menos me tivessem pedido, mas não, foi uma mera comunicação de facto consumado, “vamos viver contigo até endireitarmos a vida.” Como se eu tivesse a obrigação de lhes cobrir os erros. Irmã mais velha ou não, são ambos adultos e deviam ser responsáveis pela sua própria vida.

E já sei que vão ser meses, talvez até anos, a ter de os aguentar, a não ter vida própria, a tentar preservar a sanidade e as poupanças amealhadas ao longo de anos de trabalho intenso para poder tirar uns anos a viajar. Sim, as minhas poupanças, é que bem posso esperar sentada que cumpram o que me prometeram e passem a contribuir para as despesas do dia-a-dia.

Pois! O meu querido irmãozinho, que me já me deve uma pequena fortuna em “empréstimos” dos seus anos de universidade e de solteiro. E só não continuou nos primeiros anos de casado porque eu estive fora, num país em que fazer uma transferência bancária não era nada fácil. É que a cunhadinha nunca pensou em trabalhar, mal se viu casada largou o escritório onde fazia não se sabe o quê para se dedicar à casa e aos filhos... Ou antes, para fazer o papel de senhora de grandes posses.

Isto está cada vez mais confuso, agora discutem todos? Ainda por cima ao longe, sem que ouçamos o que dizem? Muito “artístico”, sem dúvida.

Mesmo agora, que estão em grandes sarilhos e perderam tudo o que tinham, qualquer mulher a sério prontificar-se-ia a fazer alguma coisa para ajudar às finanças familiares, sobretudo atendendo ao muito que gasta nela e nos “pequerruchos”, como lhes chama. Teve, até, o descaramento de me dizer que tinham mesmo de vir para a minha casa porque só assim poderiam continuar a pagar o colégio dos filhos.

Ou seja, os meninos têm de ter uma educação de luxo de que, diga-se de passagem, não se vê o menor vestígio e quem paga sou eu? E até aposto que não tem a mínima intenção de largar o cabeleireiro da moda, as massagens, o ginásio e tudo o mais para “andar bem”! Com tudo isto, não admira o salário dele não dar para alugarem um andar, agora que perderem o que tinham porque ele, num ataque de estupidez total, o tinha dado como garantia de um empréstimo à empresa do tal amigo quando as coisas começaram a andar mal.

E ele é que é o esperto, a história de sucesso, que não labuta sem um emprego fixo como eu? Como se soubessem alguma coisa da minha vida ou das minhas finanças! Bom, também não lhes conto nada, é que se descobrissem que sou uma consultora muitíssimo bem paga e que só vivo neste bairro porque não tenho as peneiras deles, havia de ser bonito! Teria mesmo de mudar de país sem deixar endereço.

Mas afinal o drama é ela ter de ir viver para uma cidade pequena com o seu grande amor, o homem com quem sempre quis casar? Tanto choro e lamentos por ter de deixar as festas, as grandes lojas, a vida social?! Com franqueza! Se querem um drama a sério, falem comigo daqui a umas semanas, garanto-vos que não ficarão desiludidos. Se calhar até o verão pespegado nos noticiários da TV e nos jornais!

Luísa Lopes

Imagem feita com Quick Write

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