Nem
sei o que me passou pela cabeça, vir ao cinema na minha última noite de
liberdade e logo para ver um drama. Já tenho dramas que me cheguem e sobrem,
não preciso mesmo nada de mais um. Enfim, agora há que aguentar, pode ser até que
me divirta e sei muito bem que não terei muitas oportunidades nos próximos
tempos.
Se
calhar nem na TV conseguirei ver nada de jeito, aposto que os miúdos estão
habituados a serem os donos e senhores de tudo. Ou então o pai, com o seu
eterno futebol. Nem sei como podemos ser irmãos, temos gostos e feitios tão
diferentes. E nem pensar em ver coisas no computador, se descobrem deixo de
poder trabalhar em paz.
Tenho
de prestar atenção ao filme, já nem sei bem o que se passa. De onde é que este
louraço surgiu? Pensava que ela estava de pedra e cal com o outro, o moreno. Ou
será que é esse o tal drama?
As
coisas não vão ser mesmo nada fáceis, sobretudo para mim. Nem sei como nos
vamos conseguir enfiar todos lá em casa, apesar de ter guardado na arrecadação
de uma amiga, “temporariamente”, espero eu, alguns dos meus belos móveis e as
coisas mais delicadas. Nunca tinha visto a sala tão minimalista, bom, pelo
menos por enquanto, aposto que vai ficar prontamente caótica com roupas, tralha
e sei lá eu que mais. Ou o meu quarto tão atafulhado, agora que terá de ser também
o meu escritório, mal me posso mexer nele.
Que
triste ideia a do meu irmão, ter investido tudo o que tinha na empresa de um
amigo. Estava-se mesmo a ver que não ia resultar, a ideia em si já era bastante
má e a execução conseguiu ser ainda pior. Mas é bem típico do João, sempre em
busca do lucro fácil, sempre a tentar fugir ao trabalho, sempre a deixar-se ir em
cantos de sereias. E agora quem paga sou eu.
Mas
que grande confusão de filme! Ainda não entendi nada do que se passa. Também
não tenho estado muito atenta, confesso. Pudera! Só a ideia de amanhã já não
ser senhora da minha casa e de ter de aguentar aqueles monstrinhos a toda a hora!
Sobrinhos ou não, foram terrivelmente mal educados pela mãe, a minha queridíssima
cunhada, que só sabe dizer mal e pôr defeitos nos outros e torce o nariz a tudo.
Como se tivesse nascido em berço de ouro!
Sim,
só me faltava mais esta, nunca nos demos bem, ou antes, demo-nos sempre muito
mal, e vamos agora partilhar um pequenino T2! E aposto que em menos de nada tenta
despachar os seus dois preciosos rebentos para o meu quarto, em vez de
respeitar o combinado que era arranjarem-se no outro, com os dois beliches e o
biombo que comprei para as excelências. Sim, tive de ser eu a comprar tudo, por
ela ocupariam os dois quartos e eu ficaria com o sofá da sala, apesar de a casa
ser minha e eles serem meros convidados, ou antes, penetras.
Ainda
se ao menos me tivessem pedido, mas não, foi uma mera comunicação de facto
consumado, “vamos viver contigo até endireitarmos a vida.” Como se eu tivesse a
obrigação de lhes cobrir os erros. Irmã mais velha ou não, são ambos adultos e
deviam ser responsáveis pela sua própria vida.
E
já sei que vão ser meses, talvez até anos, a ter de os aguentar, a não ter vida
própria, a tentar preservar a sanidade e as poupanças amealhadas ao longo de
anos de trabalho intenso para poder tirar uns anos a viajar. Sim, as minhas
poupanças, é que bem posso esperar sentada que cumpram o que me prometeram e
passem a contribuir para as despesas do dia-a-dia.
Pois!
O meu querido irmãozinho, que me já me deve uma pequena fortuna em
“empréstimos” dos seus anos de universidade e de solteiro. E só não continuou
nos primeiros anos de casado porque eu estive fora, num país em que fazer uma
transferência bancária não era nada fácil. É que a cunhadinha nunca pensou em
trabalhar, mal se viu casada largou o escritório onde fazia não se sabe o quê
para se dedicar à casa e aos filhos... Ou antes, para fazer o papel de senhora
de grandes posses.
Isto
está cada vez mais confuso, agora discutem todos? Ainda por cima ao longe, sem
que ouçamos o que dizem? Muito “artístico”, sem dúvida.
Mesmo
agora, que estão em grandes sarilhos e perderam tudo o que tinham, qualquer
mulher a sério prontificar-se-ia a fazer alguma coisa para ajudar às finanças
familiares, sobretudo atendendo ao muito que gasta nela e nos “pequerruchos”,
como lhes chama. Teve, até, o descaramento de me dizer que tinham mesmo de vir
para a minha casa porque só assim poderiam continuar a pagar o colégio dos
filhos.
Ou
seja, os meninos têm de ter uma educação de luxo de que, diga-se de passagem,
não se vê o menor vestígio e quem paga sou eu? E até aposto que não tem a
mínima intenção de largar o cabeleireiro da moda, as massagens, o ginásio e
tudo o mais para “andar bem”! Com tudo isto, não admira o salário dele não dar
para alugarem um andar, agora que perderem o que tinham porque ele, num ataque
de estupidez total, o tinha dado como garantia de um empréstimo à empresa do tal
amigo quando as coisas começaram a andar mal.
E
ele é que é o esperto, a história de sucesso, que não labuta sem um emprego
fixo como eu? Como se soubessem alguma coisa da minha vida ou das minhas
finanças! Bom, também não lhes conto nada, é que se descobrissem que sou uma
consultora muitíssimo bem paga e que só vivo neste bairro porque não tenho as
peneiras deles, havia de ser bonito! Teria mesmo de mudar de país sem deixar
endereço.
Mas
afinal o drama é ela ter de ir viver para uma cidade pequena com o seu grande
amor, o homem com quem sempre quis casar? Tanto choro e lamentos por ter de
deixar as festas, as grandes lojas, a vida social?! Com franqueza! Se querem um
drama a sério, falem comigo daqui a umas semanas, garanto-vos que não ficarão
desiludidos. Se calhar até o verão pespegado nos noticiários da TV e nos
jornais!
Luísa Lopes
Imagem feita com Quick Write
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