e o bloqueio efetivo do medo,
havia toda a extensão de uma noite
em que eu devia permanecer à porta
de sua casa velando o teu sono e
vendo a morte subterrânea do desejo.
Eu não estava sozinho nas ruas
de uma cidade quieta, havia sob os
meus pés toda uma horda de cadáveres
que se arrastavam feito minhocas e
viam com vivo interesse o desfecho
de minhas peripécias góticas.
Entre a fachada fechada de sua casa
e os portões de acesso ao cemitério,
havia todo um roteiro desesperado
que eu devia percorrer ao encalço de
minha lucidez no encosto das sacadas
ou seguir bêbado à procura de flores.
Eu não estava sorrindo nos bares
próximos a uma praça deserta, havia
solidão e pânico em meus propósitos
quando eu me dirigia ao cemitério e
com as mãos trêmulas sobre o canteiro
eu enchia de flores a bolsa de plástico.
Entre a calma indiferença do teu sono
e a obsessão doente da paixão, havia
todo um ritual de poesia que visava
alterar o descompasso entre o amor
caótico que eu sentia e o abismo
de silêncio e luz que te envolvia.
E daqui a alguns anos
(findo o mistério),
quando a vida estiver
muito longe e grande
for a fileira de sonhos,
tu então terá a certeza
de ter sido a primeira
a receber flores do cemitério.
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