Inara
pegou a minha mão e garantiu que me salvaria da próxima tormenta. Resolvi
confiar, apesar de certos “lapsos” passados. Ela jurou que desta vez seria
diferente. O corpo dela me acalma – essa é a dependência e a maldição? Mas até
quando terá paciência? Até quando as pessoas terão paciência? Meu pai, meu
grande amigo, me deixou cedo; eu ainda era um recém-formado, que confiava
trabalhar com ele – que ele me daria o Norte –, que me faria virar gente, como
ele mesmo prometeu. Encarei um ano e meio de solidão, de 2010 a 2011 – muito
mais do que os cem anos de solidão, de Márquez. Foi tenebrosa e turva a
caminhada, sem saber onde me apoiar, sem saber se ainda teria fé. Logo caí de
cama, com uma depressão brutal. Passei dois meses inteiros sem conseguir
trabalhar. Fui afastado pelo INSS, porque o meu chefe não queria “saber de
bronca para o meu lado”. Soube, por colegas, que ele disse que preferia uma
mulher “buchuda” de funcionária a um paspalho como eu. Dois crimes aí, de uma
lapada: misoginia e canalhice – ainda que, para este último, infelizmente, não
haja pena, nem previsão legal, é bem verdade. Voltei ao trabalho e, com pouco
mais, não aguentei: pedi para sair, porque o clima estava insuportável; ele
fazia de tudo para me ver fora de suas vistas. Perdi boa parte do que teria
direito de verbas rescisórias. Com a ajuda de uma amiga, ingressei com uma ação
na Justiça do Trabalho, para inclusive desfazer o meu pedido de demissão, pois,
na verdade, eu tinha sido coagido a sair. Um saco ter de encarar Dilma, sua
fiel escudeira, nas audiências. Sua cara de entojo não combinava com a sua
baixíssima renda e com a sua servidão moderna. Consegui, de fato, reverter a
demissão – o que lavou a minha alma, me deu um certo suspiro. De lá para cá,
foi difícil me firmar num canto, até conhecer Inara. Foi amor à primeira vista;
breguíssimo, por sinal. Apaixonamo-nos numa viagem organizada por um amigo,
para Flexeiras. O ano de 2014 foi especial, por causa de Inara. Ela me fez sair
da letargia, me animou a continuar a faculdade de Jornalismo, e fui pelejando
porque ela estava ao meu lado. Em 2016, casamo-nos à moda antiga. Nos primeiros
dois anos, montamos uma empresa de assessoria; ela já era jornalista e me instigava
a seguir o ramo. Viajávamos bastante, cobrindo eventos cafonas e bizarros – ou
será que o meu olhar fatalista que vê assim? Inara estava vibrante, esperançosa,
e por isso eu não quis desfazer os seus sonhos. Formei-me em 2018, e, apanhado
no loop, voltei à depressão. Ela não soube como lidar. Brigávamos porque
ela não se conformava em estar trabalhando, dando conta de tudo, e eu na cama,
dormindo até tarde. Foram dias e meses para que percebesse a gravidade do
problema. Sim, tenho culpa, não a preveni como deveria; fui relapso e
desdenhoso, achando que teria superado definitivamente o mal. Retornei ao
tratamento com um novo psiquiatra, humano, que se tornou meu amigo. Testamos os
mais distintos remédios, até que eu tivesse uma qualidade de vida razoável. Passei
apuros e fui suportado por Inara. Ela segurou a onda da empresa por uns seis
meses, enquanto estava destacado do mundo. Pensei em encerrar a minha vida aí,
mas ela não deixava um dia sequer que eu pensasse besteira. 2019 foi um ano ok.
O instinto de mãe – e de pai – fez que nos questionássemos se esse era o
momento para ter um filho. Tínhamos medo. Ela me convenceu, depois de muitas
conversas com amigas e psicóloga, de que devíamos dar esse grande passo, que
seria bom para a minha saúde. Logo na primeira tentativa sem contraceptivo
Inara engravidou. Ficamos flutuando. Era início de 2020 – janeiro, mais
precisamente – e não tínhamos ideia da longa pandemia. A gestação de Júlio foi
marcada pelo nosso isolamento. Houve muito medo, mas, de várias formas
inventadas, tentamos nos fortalecer no nosso núcleo. Felizmente, consegui
reagir, trabalhar e engatar novos projetos. Júlio nasceu em setembro de 2020,
cercado de todos os cuidados. Foi difícil incorporar a ideia, um choque de
realidade, de que agora éramos três – e a cantilena penosa vinha, de que devia
“ser gente”. Inara incrivelmente foi a nossa sustentação – e eu fiz o possível
para acompanhá-los. Hoje, quando chego do trabalho, infestado de problemas, meu
filho vem me receber com um sorriso que apaga todas as dúvidas. Continuo sendo
clichê, lugar-comum, o mais do mesmo, mas, de certo modo, imune à tragédia.
Inara vem percebendo meu desligamento da vida, minha falta de mobilidade e de vontade.
Dessa vez, ela me deu um abraço e garantiu que tudo ficará bem. Até quando? Até
quando?
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