CEBOLA
Cebola, hoje cortei.
As cebolas nascem debaixo da terra
Assim nascem os mortos
Eu nasci morta, logo sou uma cebola
Sou ácida e se você me cortar eu
solto um gás que dói nos seus olhos
Mas deixe-me de molho e ficarei doce.
Como todos os que nascem mortos e vivem
Eu tive que aprender a gostar da vida
E não é fácil, amar viver e buscar sentido e
As razões de abrir os olhos todas as manhãs
Colocar um pé na frente do outro pé
Chutar a pedra, abrir a porta, tirar o pó
A morte é inerte e mais sedutora e íntima
A vida exige de você provas de amor e afeto o tempo inteiro, e como a vida é sua tudo é tudo pra si
mesmo, ora a morte só quer você deitado
Descansado, desligado, legitimamente amorfo
O sinal de desamor pela vida é bem discreto, você vai surfar buscando uma boa onda que te ame,
vai naufragar em lágrimas
E quando você rir o riso será de desespero, porque alegria é uma invenção boa que todo mundo sabe
que o é, mas não sabe onde fica. Quer um conselho? Quando cortar uma cebola proteja os olhos.
Mas não estou falando de nada além daquilo que guardo nas entrecamadas do meu self bolha.
Parti. Fiquei só metade, apartada da outra eu, onde ela foi?
Só, fiquei exalando meu cheiro, e qualquer coisa que estivesse ao meu alcance foi inundado de mim.
Camadas.
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