Com certeza você já se perguntou ou indagou seus pais sobre como foi o processo de escolha do seu nome. Pode ser que você esteja contente, infeliz ou indiferente. Por trás da escolha de um, há sempre uma história, mesmo que os envolvidos nela não se deem conta disso. Com o nome, algumas vezes transferimos aos nossos descendentes uma carga de emoções e em outras, obrigações para quem não teve a oportunidade de escolhê-lo.
Como nos
últimos 25 anos, acordei cedo para mais um dia de trabalho no Cartório de
Registro Civil. Meu pai sempre se orgulhou por eu tê-lo sucedido. Depois do
curso de Direito, me vi ainda mais impulsionado a seguir a carreira dele.
Dediquei a maior parte do tempo ao meu ofício, evitando relacionamentos mais
sérios. Nunca tive muita paciência com criança. Imaginar novamente minhas
noites agitadas, correndo atrás de mamadeiras ou embalando um pequenino insone
sempre me incomodou, já que como irmão mais velho ajudei minha mãe com os
pequenos. Não tenho a paciência dela, que cuidou de oito.
Porém, certo
dia, surgiu uma pessoa especial. Talvez fosse a minha última chance de
experimentar uma vida a dois. Ela, um tanto mais jovem, com uma vocação muito
forte para a maternidade. Não tive escolha, teríamos um filho. Mais tarde
descobri que não seria apenas um, mas um casal de gêmeos.
Preparamos as
listas de tarefas que teríamos pela frente. Sempre fui muito organizado e
administrei bem o meu tempo. Assim, não houve muita dificuldade na tomada de providências
como reformar um quarto, comprar o enxoval e adquirir a caixa de charutos,
entre outras coisas, exceto por uma: a escolha do nome das crianças. Logo eu,
que registrei tanta gente, tive discussões intermináveis com alguns pais
teimosos e fui repreendido tantas vezes pelo Juiz da Vara de Família. Sim, eu
sempre fui conservador, culpa da Lei 6.015 que define que “os oficiais do
registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os
seus portadores”. Uma lei subjetiva e que não impõe como soberana a vontade dos
pais. Meu conservadorismo também foi influenciado pela minha própria
experiência.
Antes de
abrir as portas do cartório, li e reli o os livros de registros procurando uma
boa ideia para oferecer à minha esposa, já que ela é adepta dos
estrangeirismos, algo inaceitável para mim. Eu precisava de dois nomes, só
dois! Peguei uma folha de papel e a dividi em duas colunas. A primeira para
nomes masculinos. Foi muito difícil incluir os primeiros nomes na lista. Para
começar, incluí os nomes dos avós: Hermógenes, Cândido, Clotilde e Rosália. Segundo
algumas crenças, quando se herda o nome de alguém, se leva algumas de suas
características, entre elas a longevidade. Sob esse ponto de vista, seria
interessante optar pelos nomes dos avós, todos já com mais de setenta anos e
muita saúde, porém não eram nomes adequados para uma quase segunda década do
século XXI. Risquei-os imediatamente.
Quase duas
horas se passaram, as primeiras pessoas já faziam fila na porta de entrada, que
já deveria estar aberta há cinco minutos. Na primeira gaveta de minha escrivaninha,
guardei a folha de papel, sem nenhuma sugestão de nomes.
Estava sendo
um longo e trabalhoso dia. Muitas crianças nasceram ultimamente. Entre os nomes
escolhidos estavam dois Neimar e um Gabriel Jesus. Para as meninas, três Anitta
e uma Ariana Grande. Não tive coragem de incluir nenhum deles na minha lista.
Quando o
cartório quase fechava, aconselhei um pai a pensar até o dia seguinte para
escolher melhor o nome de seu primogênito. A mãe coruja, inspirada pela beleza
de seu filho havia escolhido Lindomarcos. E se quando o menino crescesse não
fosse tão belo assim, como seriam as chacotas na escola. Lembrei-me de um outro
caso, de um menino cujo pai registrou o menino como Valdisnei, uma homenagem ao
mestre dos desenhos animados. Ganhou o apelido de Mickey.
Eu sabia bem
o que era aguentar as gozações. Certa vez, quase cometi o mesmo descuido e por
pouco um garotinho não carregou para sempre um peso. Pense que temos que ter
cuidado com o prenome, sempre fomos orientados assim, a legislação foi pensada dessa
forma. O complemento do nome, geralmente se dá pela combinação de sobrenomes de
família, da mãe do pai. Um nome simples e adequado como Jacinto poderia se
transformar numa tragédia, carregando o Dores e o Aquino da mãe e o Rego do pai.
Talvez você
esteja curioso com o meu nome, não é? Ele não facilita em nada o meu trabalho.
Como dizem, “casa de ferreiro, espeto de pau”. Fui batizado Armando Nascimento
de Jesus. Não é resposta de charada do Almanaque Renascim não, foi uma escolha
inocente que resultou num apelido: Presépio. Foi assim desde o curso primário
até a faculdade. Sei que quando não estou por perto sou chamado de Doutor
Presépio.
Atender a um
conselho meu, sobre um nome, é como solicitar uma dieta a uma nutricionista
obesa ou uma recomendação preventiva do câncer a um pneumologista fumante. Mas
é a minha sina. Sempre digo: não sigam o meu exemplo. Quem sabe o meu bloqueio
seja pela combinação de todos esses fatos. Agora, eu não poderia errar na
escolha do nome dos meus filhos.
Cheguei em
casa sem fome. Tomei um banho e fui me deitar mais cedo. O sono não vinha. Levantei-me,
liguei o computador e pesquisei novamente aquela lista de nomes estranhos já
registrados nos cartórios do Brasil. Depois, tomei uma dose de uísque de uma
garrafa guardada há muitos anos. O líquido desceu queimando pela garganta e o
efeito foi imediato, caí na cama e apaguei.
Meu filho
nasceu. Sempre vieram às pencas. Este era o décimo-terceiro. Como sempre, fui
registrar no Segundo Cartório de Registro Civil, pois no caso dos meus filhos
eu era parte interessada. Cabia ao meu colega de ofício garantir o cumprimento
da lei em relação a escolha dos nomes.
– Olá Armando!
Você já não está muito velho para tanto filho?
– É o que
digo para a minha esposa, mas ela tem vocação para mãe. Não acredito como dá
conta de tanta criança. E ainda arranja tempo para mim!
– E como será
o nome do garotão?
– Ultimo, sem
acento.
– Espere aí!
Você sabe que eu não posso deixar que você registre alguém com este nome.
Coitado do menino! Ainda mais com um erro de português!
– Ultimo é um
nome de raiz italiana, justamente do esperado último filho.
– Certo, mas
não fica bem.
– Não aceito
não como resposta. Veja, não ficaria bem, seria um seu colega de ofício levando
o caso ao juiz!
– Está bem!
Mas não me culpe no futuro pela sua escolha. Mais uma coisa: e se vier um outro
filho, como vai chamá-lo.
– Equívoco,
com certeza Equívoco!
Acordei na
fronha encharcada pelo suor e sufocando. Eu ainda podia ouvir o eco da
gargalhada do meu colega de ofício e dos amigos de escola dos meus filhos.
– Jeniffer, os
nomes, os nomes...
– Sonhou com
os nomes, querido? Quais escolheu?
– João e
Maria.
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