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sábado, 19 de novembro de 2022

Nada menos que isso


 

Faz dias que não consigo dormir. O vento jogado pelo ventilador soca a minha pele, como uma massa concreta, informe. Qualquer superfície em que me deito espinha ou urtiga. Apesar do tempo brando, há um calor infernal no meu quarto; o sol parece dormir neste canto. Penso em marcar um médico, mas ainda não estou certo de que especialidade, se psiquiatra ou neurologista do sono. Ao mesmo tempo, tenho receio de saber que se trata de loucura ou de tumor no cérebro – meu pai morreu disto. Minha filha é o meu único contato com o mundo, desde março de 2019 – fora a dona Neci, a diarista, que mal fala e pouco vive. Lina vem em dias alternados, sempre que pode. Quando me queixei de desconfortos, ele quis me levar à emergência, mas logo menti, dizendo que havia melhorado – tenho horror a hospital. Já me desfiz do aquário com os dois peixes; dei-o à dona Neci, que deve, também, ter dado um fim inútil – não a vejo cuidando de bichos. A decisão se deu para salvá-los; não me perdoaria se algum deles morresse sob a minha tutela. Aliás, acho uma péssima escolha criar bichos enjaulados. Parece que é uma necessidade, quando é uma carência que só diz respeito a mim; eu que tente resolver os meus problemas. Aceitei o presente de Lina porque seria uma desfeita devolvê-los, e porque ela disse que eu estava muito só, depois da morte de Maria, minha mulher. Agora, devo arranjar um artifício para explicar o “desaparecimento” dos coitados. Que algum deus lhes dê um bom destino. Pois bem, me livrar valia mais a pena do que fingir para minha filha que seríamos bons amiguinhos. Tenho tremeliques no corpo, que me impedem de escrever, um bom hábito que tinha. Até as pálpebras dançam sobre os olhos, em frenesi. Aproveito as poucas horas no dia em que minhas pernas não formigam ou latejam para tomar banho e comer. Tenho lido notícias sobre o mundo, e não são nada boas. Se fosse egoísta, pedia a Deus para mandar logo um meteoro, de modo a acabar logo com tudo. No entanto, com relação ao meu mundo, peço o fim; imediato. Sempre pensei que só haveria sentido em viver se houvesse dignidade. Nada menos que isso. Trabalhei feito um jumento e entreguei parte da minha fortuna ao país, para me aposentar. Tenho para o trivial, para comprar os meus remédios, para fazer as compras; inclusive, para pagar um agrado ao José, o servente do prédio, para trazer o meu almoço e alguma coisa da farmácia e mercearia. Rezo pelo dia em que possamos nos livrar do estúpido conservadorismo e da religiosidade doentia. Tinha o plano de morrer através da eutanásia. Mas, no Brasil, isso ainda é uma nuvem vaga. Não sei se devo descobrir o meu mal. Estou esperando que a natureza faça o seu papel, me tire daqui e dê espaço para uma nova vida que queira viver. Já chega de amolação.

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