Faz
dias que não consigo dormir. O vento jogado pelo ventilador soca a minha pele,
como uma massa concreta, informe. Qualquer superfície em que me deito espinha
ou urtiga. Apesar do tempo brando, há um calor infernal no meu quarto; o sol
parece dormir neste canto. Penso em marcar um médico, mas ainda não estou certo
de que especialidade, se psiquiatra ou neurologista do sono. Ao mesmo tempo,
tenho receio de saber que se trata de loucura ou de tumor no cérebro – meu pai
morreu disto. Minha filha é o meu único contato com o mundo, desde março de
2019 – fora a dona Neci, a diarista, que mal fala e pouco vive. Lina vem em
dias alternados, sempre que pode. Quando me queixei de desconfortos, ele quis
me levar à emergência, mas logo menti, dizendo que havia melhorado – tenho
horror a hospital. Já me desfiz do aquário com os dois peixes; dei-o à dona
Neci, que deve, também, ter dado um fim inútil – não a vejo cuidando de bichos.
A decisão se deu para salvá-los; não me perdoaria se algum deles morresse sob a
minha tutela. Aliás, acho uma péssima escolha criar bichos enjaulados. Parece
que é uma necessidade, quando é uma carência que só diz respeito a mim; eu que
tente resolver os meus problemas. Aceitei o presente de Lina porque seria uma
desfeita devolvê-los, e porque ela disse que eu estava muito só, depois da
morte de Maria, minha mulher. Agora, devo arranjar um artifício para explicar o
“desaparecimento” dos coitados. Que algum deus lhes dê um bom destino. Pois
bem, me livrar valia mais a pena do que fingir para minha filha que seríamos
bons amiguinhos. Tenho tremeliques no corpo, que me impedem de escrever, um bom
hábito que tinha. Até as pálpebras dançam sobre os olhos, em frenesi. Aproveito
as poucas horas no dia em que minhas pernas não formigam ou latejam para tomar
banho e comer. Tenho lido notícias sobre o mundo, e não são nada boas. Se fosse
egoísta, pedia a Deus para mandar logo um meteoro, de modo a acabar logo com
tudo. No entanto, com relação ao meu mundo, peço o fim; imediato. Sempre pensei
que só haveria sentido em viver se houvesse dignidade. Nada menos que isso.
Trabalhei feito um jumento e entreguei parte da minha fortuna ao país, para me
aposentar. Tenho para o trivial, para comprar os meus remédios, para fazer as
compras; inclusive, para pagar um agrado ao José, o servente do prédio, para
trazer o meu almoço e alguma coisa da farmácia e mercearia. Rezo pelo dia em
que possamos nos livrar do estúpido conservadorismo e da religiosidade doentia.
Tinha o plano de morrer através da eutanásia. Mas, no Brasil, isso ainda é uma
nuvem vaga. Não sei se devo descobrir o meu mal. Estou esperando que a natureza
faça o seu papel, me tire daqui e dê espaço para uma nova vida que queira
viver. Já chega de amolação.
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