Não
te admires se esta cartinha não for muito longa nem muito coerente, é que, com
a inúmera medicação que me dão, os meus períodos de consciência são sempre
curtos e nem sempre muito racionais. E apesar de me dizerem que não devo desesperar,
que enquanto há vida há esperança e outros chavões similares, pressinto que
talvez seja melhor deixar-te algo meu, uma mensagem, digamos, para o caso de eu
não sobreviver.
Ainda
não te vi sem ser em fotos e começo a pensar que não chegarei a ver-te e muito
menos a tocar-te. Não podes sair da incubadora que te mantém vivo e eu não
posso deixar estas máquinas que tentam manter-me presa à vida na vaga esperança
de que o meu corpo comece finalmente a reagir favoravelmente.
Irónico,
não é, estarmos ambos dependentes de máquinas, tu no início da tua vida e eu no
fim da minha?
Mas
divago. O que realmente te queria dizer é que nos curtos meses que tivemos
juntos, em que te senti plenamente dentro de mim, me trouxeste uma imensa felicidade.
Não és o meu primeiro filho, o teu aparecimento foi até uma surpresa numa
altura em que pensava que tudo isso ficara há muito para trás. Mas confesso
que, passada a surpresa e o pânico iniciais, passei a ver-te como um verdadeiro
milagre, apesar dos usuais profetas da desgraça insistirem em falar nos perigos
de uma gravidez na minha idade e estado de saúde.
Fiz,
contudo, ouvidos moucos a tudo isso e concentrei-me em apreciar ao máximo uma
experiência que, por muito que seja repetida, é sempre nova, sempre diferente.
É certo que nem sempre me sentia bem, os célebres enjoos matinais atacaram cedo
e em força e nunca chegaram a desaparecer totalmente. E para quem sofre tanto
da coluna como eu, uma gravidez não é certamente a melhor opção.
Passei
estes longos meses a imaginar como iria ser a nossa vida depois de nasceres,
como serias... sim, nem sabia que eras um rapaz, preferi ter a surpresa
completa, a da gravidez e a do teu sexo. Estranhamente, uns dias tinha a
certeza absoluta de que serias uma menina, finalmente, com quem um dia poderia
ter o tipo de conversas entre mãe e filha com que sempre sonhei. Mas noutros,
bom, tinha a mesma certeza de que viria aí mais um rapaz, para grande alívio do
teu pai que até tinha pesadelos com a ideia de ter uma filha na idade dele.
Pensei
também muito nos erros que não repetiria e no muito que aprendi com os teus
irmãos. Mais velha agora, muito mais velha, e mais ciente de quem sou, seria
certamente bem melhor mãe do que fui com eles, sempre pressionada por problemas
económicos e falta de tempo, aliados a uma boa dose de estouvadice e ignorância
próprias da minha pouca idade.
O
problema é que o mundo mudou, e de que maneira, por isso o mais provável seria
cometer outro tipo de erros, quem sabe se mais graves. Mas, infelizmente, estou
certa de que não estarei cá para ver isso acontecer, terão de ser os teus
irmãos a ajudar a educar-te, é que Raul, o teu pai, nunca foi muito bom nesse
tipo de coisas, é mais um homem de “panoramas gerais”, os detalhes do dia-a-dia
passam-lhe quase sempre ao lado.
Gostaria
imenso de me aguentar até poder ver pelo menos uma foto decente de ti, és tão
pequeno e tens tantos tubos e coisas em cima que nem te consigo ver a cara. E
não me posso basear nos teus três irmãos, são todos tão diferentes uns dos
outros e foram-no sempre, desde a nascença, apesar de terem saído todinhos à
família do teu pai. Era, pois, bom que saísses à minha, serias uma recordação
viva para quando eu já cá não estiver.
Mas
não é só a parte física que me passa pela mente. Nos meus curtos períodos de
lucidez dou por mim a imaginar os teus primeiros passos, a primeira palavra que
dirás, o teu primeiro dia de escola, se gostarás tanto de ler como eu, a tua
primeira paixoneta, enfim, tudo o que virás a sentir e a viver ao longo de uma
vida que espero que seja bem longa e preenchida.
Sei
que serás muito acarinhado e apoiado pelo teu pai e irmãos. E isso sem esquecer
a Ana, a tua única cunhada até à data, que também está grávida, terás pois um
sobrinho quase da tua idade. Gosto muito dela, é muito boa rapariga e não
duvido de que virá a ser uma mãe ótima para os filhos que tiver e para ti, uma
vez que já me prometeu que zelaria por ti “caso aconteça alguma coisa”.
E
sei bem que cumprirá, o mais provável será até vires a ser criado na casa dela
até teres idade suficiente para ires viver só com o teu pai. Sim, só com ele,
porque nessa altura já os teus irmãos terão a sua própria vida, poderão até
estar casados e com filhos seus, que serão mais irmãos para ti do que
propriamente sobrinhos.
Espero
que te falem de mim, que venhas a saber alguma coisa sobre quem te trouxe ao
mundo de um modo tão desastroso. Apesar de me recusar a aceitar maus agouros,
algo me levou a organizar álbuns de fotos em que eu sou o tema principal, tudo
devidamente legendado para que não precises de recorrer a ninguém para saberes
o que representam. E mandei converter em DVD os velhos vídeos que tínhamos de
festas familiares, férias e outras ocasiões para que os possas ver à vontade –
e com ordens estritas ao teu pai para que faça nova conversão caso o DVD deixe
de existir...
É
pena já não teres avós e nunca teres tido tios, mas com quatro irmãos e mais um
sobrinho – ou sobrinha – a caminho não te faltará família para te acarinhar e
te dizer quanto foste amado e desejado, apesar da surpresa tremenda que foi a
tua conceção.
Mas
há uma coisa que só eu te posso dizer, daí a razão de ditar esta cartinha à
simpática enfermeira que cuida de mim durante a noite: é que, mesmo sem nunca
te ter visto ou tocado, posso afirmar, sem a menor hesitação ou dúvida, meu
querido Rui, que foste o sol do final da minha vida.
Photo by charlesdeluvio on Unsplash
1 comentários:
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