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quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Amendoim

O sujeito tinha muito orgulho do nome, enchia a boca cada vez que lhe indagavam, mesmo que para uma simples anotação no caderno de fiado da padaria da esquina. Cultivava este sentimento desde a infância quando observava as assinaturas nas cédulas. Quem sabe um dia fosse tão importante quanto um Ministro da Fazenda ou se não, ao menos Presidente do Banco Central.

Para as primeiras assinaturas, gastou folhas e folhas de papel, horas e horas rabiscando até chegar ao traço perfeito, a chancela que representava toda a dignidade de seu nome. Depois de tanto praticar, acreditava que a sua assinatura possuía traços únicos, garantia de exclusividade.

Tudo que usava era personalizado, o que incluía roupas, acessórios, a mobília que usava em casa ou no escritório. Fez aulas de pintura e de desenho para poder aplicar a assinatura em suas obras. Fez dela também a sua logomarca.

Com o passar do tempo, o Senhor Afonso Carlos de Mendonça passou a ocupar funções de destaque na empresa, chegando à Presidência. Sentia o maior prazer em esvaziar tubos e tubos de canetas esferográficas nas infinitas páginas de documentos que assinava.

Na empresa foram incontáveis os contínuos e estagiários que passaram pela sua frente. Nunca prestou atenção a nenhum deles. Certo dia, foi diferente. Um menino, que atuava como menor aprendiz, levou-lhe, como de costume, uma pilha de documentos para assinatura. Afonso examinou cada um e depois de passar por todos, começou sua sessão de assinaturas.

Testou a caneta, arrumou os objetos sobre a mesa para um melhor posicionamento dos papéis. Já ia assinar o primeiro documento, quando lembrou que não havia conferido o padrão da assinatura. Puxou uma folha de uma das gavetas. O papel já possuía algumas assinaturas, apôs uma nova logo abaixo da última, comparou com o gabarito e sorriu. Respirou fundo e cuidadosamente fez cada uma das assinaturas nos documentos. Tudo com muita calma e esmero.

Percebeu que o menino segurava um dos documentos e olhava com atenção os traços da marca. Curioso, resolveu questionar o menino.

− Gosta de assinaturas?

− Sim, as observo sempre.

 Tem uma?

 Todos têm, desde que aprendem a escrever, senhor. – disse, educadamente, o menino.

− Falo de uma marca pessoal, algo elaborado, como a minha, por exemplo.

− Não senhor, assino meu nome por extenso. Acredito que um dia uma nova assinatura surja espontaneamente.

− Pois eu elaborei a minha com muito cuidado. É o que nos diferencia, sabe?

− Sei.

− Mas se não acha uma assinatura elaborada importante, por que observa tanto a minha?

− Fiquei curioso.

− Com os traços? Com a inclinação? Com a pressão exercida sobre o papel? Ou seria com velocidade que é escrita?

− Não. Estranhei o fato de alguém escolher uma única palavra como assinatura. É um apelido?

− Como assim, um apelido? É uma representação de Afonso Carlos de Mendonça!

− Me desculpe, senhor. Para mim, está escrito: A-men-doim, apontando as partes da assinatura com o dedo

Afonso olhou para a folha de papel, sua face se tornou branca, quase transparente. Olhou novamente para o documento, depois para as assinaturas dos quadros de própria autoria espalhados pela grande sala, para o bordado no lenço do bolso do paletó, para a gravação em baixo relevo nos vidros do prédio, tudo, tudo grafado com o maldito A-men-doim. A terrível palavra reproduzida pelo menino, ecoava em seus pensamentos e o atordoava.

A palidez no rosto deu lugar ao rubor, veio a dor no peito e depois a escuridão. Não resistiu.

Afonso era intolerante a amendoim. Como ninguém sabia disso, estamparam a assinatura dele em sua lápide, logo abaixo da transcrição de uma de suas falas preferidas: “Todo homem precisa deixar sua marca, será a sua identidade e o seu passaporte para a eternidade!”.

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