A
tempestade acordou-a bruscamente. Estremunhada, quase deu um pulo na cama
quando um tremendo trovão rebentou mesmo por cima de si, fazendo estremecer
todo o prédio. Enfiou-se ainda mais sob os cobertores, tentando ignorar as
salvas quase contínuas e os raios que penetravam pela espessa cortina da janela
à frente da cama. Tinha mesmo de mandar arranjar aquela persiana, sobretudo
agora que o inverno estava a começar, trazendo os seus inevitáveis temporais.
Não
sabia que horas seriam, supunha ser bastante tarde, mas quando estendeu a mão
para acender o candeeiro da mesinha de cabeceira e consultar o velho relógio
que ali tinha, descobriu que ou a lâmpada se fundira ou estava mesmo sem luz.
Talvez fosse melhor assim, trovoada e eletricidade não eram uma boa combinação,
por muito que lhe dissessem o contrário, e isso apesar de ter um medo de morte
do escuro.
Encolheu-se
toda sob a roupa, quase numa bola, tentando criar um ninho onde se sentisse um
bocadinho mais segura. Mas em vão, toda ela tremia com o pavor que as
tempestades lhe incutiam desde bem miúda.
De
repente, ficou hirta. Parecera-lhe ter ouvido um outro som subjacente ao da
trovoada, por muito impossível que parecesse. Pôs a cabeça um pouco de fora do
seu ninho e esforçou-se por aguçar os ouvidos e apurar que mais se estaria a
passar.
Uma
breve pausa no batuque celestial confirmou-lhe a suspeita, alguém abria a porta
da entrada do seu pequeno apartamento. Com três fechaduras bem sólidas, era uma
operação demorada e impossível de executar silenciosamente, sobretudo a última,
que estava há muito um pouco perra.
Pensou
imediatamente em telefonar à Polícia ou, melhor ainda, ao filho, que vivia no
mesmo prédio e chegaria bem mais rápido. Afastou, pois, um pouco a pesada roupa
da cama para se levantar e ir buscar o telemóvel à cómoda, onde o punha a
carregar durante a noite. Ainda só tinha uma perna de fora quando se lembrou de
que, contra o costume há muito arreigado, o deixara na sala, juntamente com o
carregador, por ter ficado quase sem carga após uma longa conversa com uma
amiga que acabara de regressar de uma viagem ao Canadá.
Voltou
a enfiar-se sob a roupa, a tremer cada vez mais, sem saber agora se era da trovoada
se do medo de quem lhe estaria a entrar à socapa em casa.
Família
e amigos estavam sempre a gozar com ela por ter medo de tudo e de mais alguma
coisa, de ver terrores em coisa nenhuma, pois bem, só esperava sobreviver para
lhes esfregar esta noite na cara!
A
tempestade afastara-se um pouco, mas isso não lhe deu qualquer satisfação, o
silêncio exterior permitia-lhe agora ouvir claramente os passos que se iam
aproximando da frágil porta do quarto, mesmo à direita da cama.
À
luz de um relâmpago, viu o puxador rodar lentamente e nem coragem teve para
gritar, apesar de ter sempre dito que, se viesse a acontecer uma situação
destas, todos a ouviriam no prédio inteiro e até em toda a rua.
A
porta do quarto foi-se abrindo lentamente e a última coisa de que teve
consciência foi de ver uma cabeça a espreitar pela abertura.
Quando
recuperou os sentidos, o filho teve imenso trabalho para a conseguir acalmar. É
que quando faltara a luz, estava ele ao computador a ultimar um trabalho,
descera imediatamente do seu andar para ver como ela estava, sabendo bem do
pavor que a mãe tinha de trovoadas e do escuro.
Como
sem luz a campainha da porta não funcionava, decidira usar a chave que recebera
para acudir a emergências. E fora o mais sorrateiro possível para evitar
acordá-la na hipótese remota de o alarido dos céus não a ter despertado.
Luísa Lopes
Imagem gerada por Wombo Dream
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