Ouvi dizer que há solução para uma vida vazia. Mas as mesmas pessoas que ladram isso reforçam o estereótipo de que não é possível. Elas mentem e se enganam o tempo inteiro. Parece que jorram abobrinhas porque não têm o que falar. São, igualmente, almas vagantes da existência. Flávio, um amigo muito próximo, entrou na onda de empreender. Foi cooptado pela nova febre da liderança coaching. Quer me vender um troço mesclado entre terapia e direcionamento, quando ele, o próprio, sequer tem prumo. Foi, recentemente, vendedor de produtos de “nutrição revolucionária”, florista, empreendedor do ramo de circulação urbana (Uber), e, agora, diz que definiu o seu destino, ou seja, ajudar pessoas a encontrarem o seu mundo. E o pior, ele leva no papo uma ruma de desesperados. As pessoas querem resultados fácies, ou a expectativa de algo promissor. É só conferir o tanto de gente que cai em armadilhas de pirâmides de criptomoedas. Na verdade, embalam um sonho de sucesso; que, por seu turno, tem a ver unicamente com o dinheiro. Sendo Flávio um amigo muito presente, boa praça e atencioso, não quis lhe desmotivar, dizer que não o faria por não acreditar etc. e tal. Ainda sabendo que Flávio não é afeito a conselhos, fiquei na dúvida se deveria orientá-lo – eu, um fracassado, não tanto da mesma laia. Não tenho a capacidade de desmanchar sonhos, muito menos de ser o tutor de um homem crescido, dono do seu nariz. E, veja só, Flávio alega que tem em consideração, como referência, o sucesso de Porfírio, nosso amigo de infância. Ora, Porfírio nasceu em berço de ouro e foi introduzido, muito novo, no ramo empresarial de castanhas e derivados do caju, uma fruta rica, nordestina, exportada para vários países. “Jota, Porfírio entendeu o que lhe disse e está montando um novo plano para alavancar. Vai dar certo, você vai ver!”. Acho que por piedade, ou pena, Porfírio “embarca” nas ideias de Flávio; compra seus cursos, ajuda na aquisição de materiais e numa infinidade de coisas. Claro, Porfírio é amigo até debaixo d’água, como dizem; quantas vezes não me socorreu?! Incontáveis. É, para nós, um irmão. A ingenuidade de Flávio me comove e me preocupa. É sério que ele espera que alguma de suas dicas seja levada em consideração por Porfírio? A questão é que Porfírio dá a entender que Flávio está certo e entra no jogo. Outro dia, pediu que eu não o desmotivasse; que o “menino” estava tentando se dar bem, e que dessa vez parece que tinha se encontrado. Como fiquei com raiva de Porfírio! Disse a ele que nós, como irmãos, devíamos nos orientar pela honestidade; que o que estávamos fazendo com Flávio era inventar uma nova função para a roda: nenhuma; mais do mesmo. Porfírio emendou, com a cara amarrada, que eu não teria esse direito de desvirtuar o que poderia dar certo, de verdade; devíamos pagar para ver; que as pretensões de Flávio não eram crime, pelo contrário, ajudaria pessoas emocionalmente perturbadas, depois da pandemia, a descobrirem o seu caminho. “Jota, Flávio é um ‘menino’ de coração puro, humano, decente. Deixe-o ser feliz!”. Na saída, Porfírio quis me oferecer uma grana, porque sabia que eu estava passando por dificuldades – óbvio, está estampado na minha cara. Perguntei, sem pensar, se isso era para comprar o meu silêncio. De imediato, Porfírio se trancou, baixou as sobrancelhas – o que é bem típico quando fica furioso – e saiu, sem mais. No fim das contas, terei de suportar as venetas de Flávio e a bondade franciscana de Porfírio. O amor é mais importante que o amargor que estou sentindo.
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