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domingo, 13 de março de 2022

O Asteróide

 

O Asteróide

Os noticiários de todas as estações de rádio e televisão abriram com uma informação aterradoramente bombástica:

− Dentro de 72 horas um asteróide vai colidir com a Terra. Não se sabe a zona de impacto, nem os seus efeitos.

À medida que as horas iam voando, as preocupações a nível planetário foram crescendo a um ritmo exponencial. Esse crescimento tinha a ver com a rápida aproximação do errático asteróide. Dos confins escuros do universo, para as imediações do planeta azul este corpo rochoso, já conhecido do meio académico espacial, teve, em tempos, um contacto visual com uma nave tripulada. A tripulação, na altura, enviou para a Agência Espacial Terrestre fotos e dados. Essa informação só suscitou interesse na comunidade científica.

Agora a sua aproximação à Terra tornou-se uma preocupação. Não se conseguia saber a zona do impacto e o consequente poder de destruição. Era um verdadeiro desconhecido na forma como mudava de trajectória. De tempos a tempos a rota mudava. Uma vez era para aqui, outra vez era para mais além, outra vez era para os antípodas do aqui.

Eminentes matemáticos, astrónomos, físicos, geólogos e uma plêiade de sábios de várias áreas acompanhavam, ao segundo, a viagem do “calhau”. Tentavam encontrar a chave que permitisse calcular a zona de impacto e os efeitos destruidores. A possível salvação de uma grande parte da humanidade estava nas mãos daquela sábia gente. Mas nenhum sinal vinha do espaço e as horas corriam velozes.

 O que fazer? Fugir para onde, se não se sabia onde o asteróide ia cair. A preocupação instalou-se entre os estudiosos e entrou na esfera política. Daí a saltar para a rua foi um ápice. O medo assentou arraiais. Começou a sentir-se uma onda crescente de ansiedade. O crime organizado não dormia e esperava a oportunidade para sair à rua. Estava só à espera do descontrolo institucional. À espera, e pronto a vir para a rua anunciar o fim do mundo, estava o fanatismo religioso, os loucos do costume e todos aqueles que esperavam da vida um minuto de fama.

 Os cidadãos do mundo não tinham outra alternativa senão esperar por bons tempos. Não podiam fugir para outros lugares por não saberem o local da catástrofe e por não conhecerem quais as zonas mais seguras, se é que elas existiam. Esperavam pelo destino.

Os olhos e os ouvidos não paravam inquietos à espera de uma nova para se fazerem as malas e rumarem a sítios mais convenientes, os que podiam, porque a grande maioria teria de ficar no mesmo local. Vai cair no mar, nos pólos, naquele continente, vai passar ao lado da Terra, vai desintegrar-se quando entrar na atmosfera terrestre. Ninguém se entendia e os boatos galopavam.

Os combustíveis esgotaram-se, embora os meios de transporte estivessem cheios, mas parados. Não valia a pena sair para onde quer que fosse, porque não havia sítio seguro para ir. Estavam preparados para arrancarem, logo que soubessem a zona de impacto e as eventuais ondas de choque. Quem nada tinha, a não ser a vida, nem fazia cálculos de saída. Oravam aos Deuses, os que sabiam orar, e faziam-no com fervor, nada prometendo, pedindo tão só para o asteróide cair bem longe.

Faltavam 08:32:25 para o impacto, quando os mostradores electrónicos das agências espaciais pararam a contagem descendente da incerteza. A Zona de colisão do Asteróide Vitrius, assim baptizado por apresentar um brilho vítrico, foi finalmente calculada.

A corrida aos automóveis foi desenfreada. Uma debandada de centenas de milhares ao mesmo tempo. Foi o caos à solta. O salve-se quem puder, tomou conta de cada um. Os caminhos em direcção às fronteiras, aos aeroportos, aos cais de embarque, para um outro qualquer lugar começaram a ficar entupidos. Seguiram-se os atropelos de toda a ordem, a raiva dos que não tinham hipóteses de saída, as traições, os aproveitamentos, as buzinadelas, os insultos, as rixas, a violência, os acidentes e os grandes engarrafamentos que não deixavam ninguém andar, tudo parado. Entretanto, outros dedicavam-se a aproveitar as últimas horas, para fazerem aquilo que mais gostavam.

Pedro Figueiredo era um deles. Filatelista de renome mundial. Naquele tempo de debandada ele estava sentado à secretária no seu gabinete, em frente de um enorme cofre-forte concebido para guardar a sua fabulosa colecção de selos. Ao longo de uma parede de 6 metros tinha sido embutido um cofre, dividido em gavetões cofres, isolados uns dos outros. Além do código do cofre principal, havia um código diferente para cada um dos gavetões cofres. Tudo conforme as regras da máxima segurança. Se houvesse um incêndio num gavetão não se propagava aos outros, se houvesse um roubo era impossível roubar a todos, porque cada uma tinha o tal código próprio. Os selos, carinhosamente tratados e cientificamente catalogados, estavam seguramente guardados.

Com toda a calma do mundo, levantou-se, dirigiu-se ao cofre e retirou um álbum. Sentou-se e olhou para um dos mais valiosos selos que faziam parte da sua colecção. Coube-lhe em herança, por morte de seu pai, que a tinha recebido do seu avô e este do seu bisavô, por aí fora, contando-se as mãos de muitas gerações. O valor de tantos e tão valiosos selos era incalculável. Ele também ao longo da sua vida foi-lhe acrescentando valor.

Por este motivo, não pensou em ir embora, porque não queria deixar ao abandono a sua grande paixão. Se tivesse que morrer, pois que morresse ao pé dela. Mas não era essa a única razão que o impedia de abandonar a cidade. O outro motivo estava em exposição temporária no Museu Nacional de Filatelia, debaixo de fortes medidas de segurança. Era um selo que pertencia a um coleccionador e que lhe tinha fugido, aquando de um leilão em que, por questões de saúde, não pôde comparecer. Muitas vezes tentara junto do coleccionador adquirir aquela preciosidade. Ofereceu tudo o que tinha, mas mesmo assim sem sucesso.

Com tudo fora de controlo, calculou que estariam reunidas as condições para poder apoderar-se dele. O caos na cidade era assustador. Carros parados por todo o lado, pessoas a fugir, a gritar, muitas a olhar para o céu, outras para o nada, destruição, sirenes e alarmes gritavam de todos os cantos e lados. Cada um fazia o que queria e ninguém pedia explicações de nada.

A porta do Museu encontrava-se livre e aberta. Sem barragens percorreu o corredor que o conduzia ao sítio onde estava exposta a maior preciosidade. Não se cruzou com ninguém pelo caminho e a sala estava vazia, ao abandono.

Os funcionários e os guardas há muito que tinham fugido, em busca da sua segurança. Transpôs as baias de protecção, passou pela primeira segurança de raios laser, depois pela segunda e, com o coração a transbordar de contentamento, retirou a pequena caixa de cristal , guardou-a dentro da mochila. Os alarmes continuaram a tocar estridentemente.

Em segurança saiu para a rua e embrenhou-se no meio do caos.

 

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