O jovem e a sua Morte
Um vírus, uma bactéria ou alguma coisa desconhecida atirou Fernando Jorge para o hospital e a seguir para o leito de morte.
O infortúnio atingiu o jovem e promissor modelo. Em cheio, e de um dia para o outro. Foi de repente. Vendia saúde dizia-se à boca cheia. Ainda na véspera, antes de cair à cama, passeou a sua esbelta figura pela passerelle e pelas vistas de um número cada vez maior de admiradoras e de invejosos. Encarnava a figura mítica de um Deus do Olimpo, um Apolo. Ainda muito novo e já o seu porte atlético chamava a atenção, não deixando ninguém indiferente.
Muitas vozes auguravam-lhe um bom futuro, quer na área do cinema ou na passagem de modelos. Estes ou outros futuros desmoronaram-se naquele repente. Agora, ali deitado, aguardava sem saber se a maldita andava por perto ou se ainda estava longe. A única certeza que tinha é que ela já vinha a caminho.
Abandonado pela sorte enfrentava sozinho a inevitabilidade do destino. Para matar o tempo ia desfiando as memória e também as ainda não memórias que, apesar de ainda não terem acontecido, há muito que ele as ia projectando na sua vivência. Sempre fora um sonhador e mesmo com a sinistra espada a pairar sobre a sua cabeça continuava a sonhar, sabendo embora que eram fugidios sonhos. Já nem os tentava agarrar com sempre fizera, porque também eles se tornavam cada vez mais escorregadios. Deixava-os correr à desfilada.
Naquele fatídico 2 de Novembro ouviu a portar ranger e sentiu uma sombria sombra a vir na sua direcção estava ele no começo de um sonho. Parou de sonhar e viu que a intrusa se tinha quedado a sete palmos da sua cabeceira. Conheceu-a de imediato.
− Já me vens buscar? – perguntou-lhe.
− Já. Sei que estás preparado para a longa viagem. – respondeu-lhe Ela
− Como é que tu sabes se não falaste nunca comigo.
− E preciso de te falar? Conheço-te tão bem quanto me conheço a mim. Vivo contigo desde o dia em que nasceste e fui sempre a tua companheira de todos os momentos.
− Como assim?
− Como assim? Eu sou a tua Morte, nasci contigo.
− Então estás bem enganada eu nunca estive totalmente preparado. Há um quê em mim que nunca aceitou a tua maldição. Acho que vens cedo demais. Ainda não te aguardava hoje. Estava à espera de um pouco mais de tempo.
− Que te serve teres um pouco mais de tempo? Já não o vais aproveitar.
− Tenho um sonho entre mãos. Será talvez a minha última tarefa.
− Talvez. – pensas tu.
Um pesado silêncio abateu-se sobre o quarto.
− Porque me escolheste para fazer essa longa viagem? Podias ter escolhido outro mais velho. Esse teria já os seus sonhos cumpridos. Eu ainda tenho muito para dar à vida.
− Não posso escolher outro qualquer, esse direito está-me vedado. Só te posso escolher a ti. Como já te disse… eu sou a tua Morte.
− A minha morte? Então tu não és a mesma para todos? Toda agente morre.
− É verdade, mas cada um tem a sua própria companheira a levá-lo.
− E o que é que te acontece quando eu partir? Ficas sem a tua essência e passas a andar por aí sem qualquer sentido?
− Boa pergunta. Sei que és um jovem inteligente, porque já te acompanho desde que nasceste. Partirmos juntos para fazermos o mesmo caminho. Tu e eu fomos únicos durante a vida e seremos únicos depois de ela acabar.
− Então desapareces comigo. Dito de outra maneira: finas-te ao mesmo tempo que eu.
− É verdade.
− Há várias coisas que eu não percebo. Se desapareces quando eu morrer, porque é que me levas tão cedo. Estás farta da vida ou melhor, estás farta de ser a Morte? Afinal quem decide a hora da de morrer? Porque morrem uns tão cedo e outros vão-se tão tarde?
− Cada uma decide conforme as suas conveniências, o seu gosto de estar mais ou menos tempo, de um mau humor repentino, em suma, depende.
− Queres tu dizer que deixamos este mundo ao acaso de um capricho?
Ouviu-se um silêncio de morte.
− Uma Morte feliz e bem-disposta deixa o seu o mortal viver por muito tempo. Pelo visto eu tive azar e calhou-me na rifa um mau prémio. − continuou o jovem
O silêncio voltou a instalar-se definitivamente no quarto.
− E sabes ao menos para onde vamos? – perguntou o jovem.
− Não. É a primeira vez que vou morrer contigo.
− Então, o melhor é ampararmos um ao outro.
0 comentários:
Postar um comentário