O Sonho do Poeta
O Poeta vagueava pensativo junto à rebentação, sentindo o doce perfume a maresia e o gostoso sabor a noite fresca e salgada. Ia perdido de ideias e buscava, no mar batido pela lua cheia, a palavra certa para aquele poema que andava a desenhar havia tempo. O mar cansado não lhe deu a palavra certa, antes vomitou para a praia muitas coisas sem préstimo. O vómito jorrou uma perfeita inutilidade que tinha sido lançada em tempos idos ao mar e agora era devolvida por uma forte vaga. Tombada na areia molhada, a inútil coisa quedou-se por ali, fria como a morte. Era uma bicicleta desconjuntada, sem selim, com raios partidos, que vinha sem um pedal, com as rodas tortas, sem pneus e com o farol partido.
Sob a luz da lua aquele espécime espelhava, apesar das graves mazelas, uma dignidade própria dum exemplar que em tempos fez o furor entre os amantes da velocipedia.
O Poeta acercou-se da desconchavada maquineta, passeou carinhosamente as mãos pelos restos da maltratada máquina e sonhou. Ainda sonhando, poisou os olhos na lua que brilhantemente branca contrastava com a imensidão negra do espaço e sentiu as lágrimas a saberem-lhe a saudade.
Lembrou-se de uma história que a mãe lhe tinha embalado ao adormecer. Contava ela, para o encantar, que nas noites de luar via-se um homem na lua a pedalar em cima duma bicicleta.
O menino, filho de sua mãe, então sonhou que entrou pela lua dentro viajando em cima daquela desengonçada duas rodas e que cá em baixo na sua aldeia, junto ao largo principal, a sua mãe e todos os meninos olhavam a lua e diziam em alegre coro: lá anda ele a passear na lua em cima de uma bicicleta.
E os meninos também sonharam que andavam na lua pedalando, fazendo corridas e piruetas, enquanto cá em baixo na terra os pais e amigos e até os desconhecidos riam de satisfação com tantos malabarismos.
O Poeta sabe que as letras dão vida às histórias e que estas são feitas dos sonhos que dão asas às bicicletas, que constroem barcos navegando por longínquos mares, que dão vida a aventureiros comandantes solitários de barcos à vela, que lançam satélites por sobre as nuvens e que desembarcam em foguetão num qualquer mar da tranquilidade. O Poeta também sabe que é pelos sonhos que se pode viajar pelo espaço, em direcção a Vénus, a Mercúrio ou até outro planeta, percorrendo a Via Láctea, cruzando outras galáxias e saltando para lá dos limites da imaginação.
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