Este
era seu nome na vila. Luís Louco... Nome e sobrenome. E ele atendia ao chamado,
não se aborrecia, não ficava chateado. E, se
ficava, não deixava transparecer.
Eu ainda era muito pequena, e o via
sempre trabalhando para o meu pai e para muitos outros. Era um homem de seus
trinta e poucos anos.
Sempre que o caminhão trazia uma carga
enorme de lenha, e que era despejada na calçada ao lado do restaurante do meu
pai, Luís Louco forrava o ombro com um saco de estopa dobrado, e ia carregando
os grossos troncos cortados da madeira, um a um. Pesados. Chegava a gemer para
erguê-los à altura dos ombros. E, numa ida e vinda incessante, levava a carga para
o fundo do quintal, atrás da cozinha do restaurante, e ali empilhava tudo de
maneira ordenada.
Era
tanta lenha que, extenuado, muitas vezes levava dois dias para terminar a
tarefa de recolhê-la. Depois, uma vez por semana voltava ali para rachar os
troncos e transformá-los em gravetos que seriam queimados no fogão do
restaurante. Tarefa dura, e que executou por anos e anos a fio.
E
assim ele trabalhava para muitas pessoas, sempre em serviço muito pesado, serviço
bruto, que exigia quase só esforço físico. Era feito um animal de carga, e isso
me incomodava.
Normalmente,
Luís Louco era uma pessoa dócil, gentil. Era respeitoso. Falava pouco, sua voz
era muito forte, alta. Sempre de olhos baixos. Quando me via, esboçava um
sorriso tímido, envergonhado, mas terno, muito terno...
Tinha
um andar desengonçado. Procurava colocar um pé diante do outro em linha reta,
quase que colado à ponta do outro, e para conseguir se equilibrar fazia um
gingado com o corpo a cada passo. Quem o visse andando, tinha a impressão de
que ele tombaria para o lado. Aparentemente o equilíbrio dele era falho, mas se
eu tentasse fazer o que ele fazia com os pés ao andar, tenho certeza de que não
sairia do lugar. Cairia sentada.
Mesmo
quando prestava serviços para outras pessoas, Luís Louco diariamente comia ali,
na parte de fora da cozinha do restaurante. Minha mãe havia colocado uma cadeira
na sombra do abacateiro, e ali ele se sentava diariamente para almoçar e
jantar.
Tinha
um apetite de leão! Trouxera, havia muito tempo, uma pequena bacia de alumínio
e uma colher. Seu prato e seu talher. Então, minha mãe preparava sempre uma
porção generosa de comida naquela baciazinha, e ele devorava tudo em minutos.
Quando estava terminando, raspava o fundo da bacia com a colher. Aquele ruído
era como uma senha, um aviso para que minha mãe viesse lhe trazer a caneca com
água.
Luís
Louco não tinha pai nem mãe. Nem irmãos. Nem documentos. Não tinha nada... Na
vila corria, à boca miúda, que ele era sobrinho do dono do bar onde havia o
campo de bocha. História nunca confirmada...
Tinha
hábitos estranhos. Dormia em uma cabana feita mato adentro, nas proximidades da
vila; tomava banho nos açudes... Mas o mais
sinistro era a mania de comer besouros. Isso mesmo! Comia besouros.
Toda
manhã, debaixo de todos os postes de luz elétrica da vila, o chão ficava
forrado de besouros pretos. Ele os devorava. Enchia as mãos com punhados deles,
e os levava à boca. Mastigava, mastigava, e os engolia. Coisa horripilante! A
mastigação fazia um barulho tão cavernoso, que eu ficava paralisada quando via aquela
cena.
Eu
acho que por causa deste costume asqueroso, as crianças ficavam sempre longe
dele, estavam sempre com um pé atrás.
Não
sei até hoje porque ele era assim. Minha mãe dizia que alguma doença o
acometera no passado, e por isso ele perdeu o tino.
Luís
Louco não podia tomar pinga, não podia fazer uso de qualquer bebida alcoólica.
Mas, infelizmente, tornara-se um alcoólatra, e a bebida o deixava transtornado,
completamente fora de si.
Durante
todo o dia ele trabalhava feito um trator, sem problemas. Mas era só o sol
baixar por completo e ele desaparecia. Enveredava-se pelos matos, onde devia
esconder a bebida, e ali se encharcava.
Durante
boa parte da noite, quando o silêncio caía absoluto sobre a vila, era possível
ouvir os gritos desesperados que ele dava lá dentro do mato. Eram gritos
agudos, assustadores, doídos, angustiantes. Ele gritava, uivava...
E
de manhã aparecia na vila, banhado no açude, penteado, com roupas limpas,
roupas sempre doadas pelos moradores. Chegava manso, sempre cabisbaixo, com os
olhos tristes, caídos, como a pedir desculpa pelo barulho que fizera à noite.
Não
conseguia entender como ele comprava a bebida! Eu achava que seria simples
resolver o problema, bastava que ninguém vendesse bebida a ele. Muito simples!
Mas,
não era nada simples... Havia muita gente que pagava os serviços prestados por
ele com garrafas de pinga. Pagamento barato e que o satisfazia. Pagamento
nojento! Mas era assim, e não ia mudar nunca.
Com
o passar dos anos a saúde dele foi se debilitando. Já não conseguia trabalhar o
dia todo, faltava aos compromissos, estava inchado. Os pés ficaram enormes, já
não cabiam nas chinelas, os tornozelos terrivelmente inchados, as mãos...
O
apetite diminuiu. Durante muitos dias almoçava muito pouco, e não voltava para
jantar. Em outros, nem almoçava. Mas continuava bebendo, e gritando.
A
cada mês que se passava, Luís Louco tornava-se visivelmente mais acabado. Nem
os besouros ele comia mais...
E
aparecia muito pouco na vila.
Numa
manhã, eu o vi ser levado, deitado numa carroça, todo sujo, inchado, com os
olhos distantes. Ele me viu, mas não sorriu. Nem sei se me reconheceu.
Da
carroça, ele foi passado para o banco traseiro do táxi do Seu Juca, e levado
para um hospital da região que cuidava de emergências.
E
ele partiu. Sozinho. Sem ninguém. Sem nenhum documento.
Foi
a última vez que vi Luís Louco.
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