Foi, como se diz, um golpe do acaso.
Lucimara não tinha a menor noção que pudesse se envolver com alguém. Não havia,
na verdade, a pretensão de se “enamorar”; achava tudo relacionado a isso brega,
cafona; que a vida poderia muito bem ser vivida só. “Antes só do que mal
acompanhada”, era o lema que carregava aonde fosse.
Estava, sem contar os anos, desde 2008 sem
um relacionamento fixo. Disfarçava, com ar de sabedoria, conhecer o destino. Era
muito coerente e convicta de suas ações. Havia passado um ano e meio na Irlanda
e, lá, trabalhado como garçonete, para angariar algum trocado e se manter firme
na posição de senhora da vida. Como dito, era assertiva em seus desígnios e
aprendera a língua que julgava ser a ferramenta que lhe abriria as portas do
futuro. De fato, assim se fez. Logo no retornar ao Brasil, contra a vontade,
conseguiu o emprego no cursinho Avante, onde Alessandro trabalhava como
professor de Biologia.
Em distrações de menina adolescente, que
esconde os quereres por vergonha, engrenou um romance à socapa com o jovem
professor. No entanto, Lucimara pontuara de início, para não restar dúvida:
“Nosso lance é casual. Não quero me amarrar. Gosto de você, Alessandro, mas
minha vida é meio errante, e faço questão de mantê-la assim; hoje estou aqui,
amanhã acolá, e não posso prometer nada nem a mim. A liberdade é o meu único
princípio, a razão de tudo”.
Alessandro estava inebriado em paixão,
medindo, milimetricamente, onde podia pisar. A cada aproximação mais densa,
decisiva, notara que Lucimara se esquivava, dando sugestão de partir.
Controlou-se, como se diz, para deixar o passarinho livre, comendo na mão,
quando quisesse. Decantava as palavras, para não parecer bobo, ou meloso
demais, e, desse modo, não passaria do limite do bom fim.
No cursinho, eram tidos como amigos e, se
algum engraçadinho ousasse anunciar um romance, ambos reagiam com rispidez,
alegando abuso e intromissão. Era o acordo tácito que havia se estabelecido,
para a alegada felicidade do casal.
A provação se deu com menos de dois meses.
Alessandro, para seu espanto, soube que havia passado num concurso, que já nem
acreditava que teria resolução. O dado crucial, que o fez sacudir dos pés à
cabeça, era que teria de morar em outro estado; ou seja, largar tudo em, no
máximo, duas semanas.
Decidiu contar à Lucimara, cheio de dedos,
ponderando uma vislumbrada indisposição. Pois foi aí que Lucimara sentiu um rebuliço
no corpo, estremeceu, de não conseguir, por conta própria, parar as mãos e as
pernas. Estava completamente ferida, nervosa e entregue à confusão mental.
Alessandro pegou forte em suas mãos, declarando o que havia guardado, para
dizer no momento certo: “Eu quero ficar com você… Não me vejo indo só. Pode ser
que não acredite em mim, que ache precipitação, mas estou apaixonado, Lucimara.
Venha comigo, por favor!”. A confusão, além do mais, era porque Lucimara estava
enredada numa história que se comprometera a não acreditar, nos laços do amor.
Quis, de súbito, desferir palavras horríveis, para confirmar uma convicção baldada.
Não conseguiu. Fez o que mais tinha medo, chorou. Aí, Alessandro percebeu que
eram mais que meros amantes; que poderia pensar além.
Lucimara, acanhada com o porte de
menininha enlevada, tímida ao extremo do admissível, em seu pensamento, cedeu à
convocação inadiável. Com menos de cinco horas, atravessaram a cidade, foram ao
apartamento da mulher que ora se confessava apaixonada, invariavelmente com
olhos marejados, colheram as roupas e alguns pertences, e rumaram ao cimo do
amor.
***
Pelo que se sabe, ainda vivem juntos; nada
de papel passado; uma vida natural, como deve ser, respeitando o imensurável
princípio da liberdade. Lucimara, com a sua independência arraigada, trabalhava
numa conhecida empresa de importação, engajada nos serviços para atender às
demandas de tradução. Alessandro, por sua vez, firmou-se como funcionário da
estatal, com promessa de ascensão no cargo.
Já não faziam planos. O destino, irmanado
ao mistério das casualidades, que se encarregasse de mostrar os caminhos.
0 comentários:
Postar um comentário