Todo fim de tarde, meu avô Jovelino pegava minha mão e me levava à beira do cais
de Barra do Ibiritiba. Caminhava a passos curtos e apressados, como se a vida
ainda fosse urgente. Sentávamos num daqueles pitocos de ferro forte onde os
saveiros amarram suas cordas para descansar no balanço das marolas.
Meu avô contemplava o entardecer contando em voz alta as embarcações
que chegavam.
- Onze! Onze foram, onze voltaram. Pelas graças de Iemanjá.
Meu avô não tirava os olhos do horizonte. Eu não tirava os olhos do meu avô.
Meu avô contemplava o distante com olhos marejados. Eu contemplava meu avô
com olhos curiosos. E contidos.
Nunca ouvi de sua voz histórias do pescador corajoso e intrépido, arrimo
da família e manda chuva dos pescadores do vilarejo. Imagino contador de
vantagens e tempestades, ventos de proa, ondas traiçoeiras de popa,
borrascas de convés, peixes descomunais, baleias visitadoras,
tubarões afugentados pela sua braveza.
Meu avô era caladão. Comigo, entre a família e a comunidade pesqueira.
Nunca recebeu um elogio da minha avó, muito menos gratidão pelo almoço pescado.
Dos olhos do meu avô, sempre escorria uma lágrima de tanto enxergar um mar
sem fim. Um dia tomei coragem.
- Vô, senhor tem saudade da mocidade?
- Tenho não.
- Nem saudade dos tempos de rei dos mares?
- Que rei dos mares, meu filho? Nunca soube nadar. Sempre me encagaçava de
entrar nessa bosta e não voltar mais.
E mais não disse. E mais não perguntei. Até que franziu os olhos, esticou o
corpo para frente e me cutucou.
- Olhe, siminino! Lá vem o último saveiro. É de Josuel seu pai.
E fez um sinal da cruz em direção aos filetes de nuvens rosadas.
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