Desde pequena ela ouvia
o pai
o avô
o tio
o irmão
o vizinho
com aquelas condições esfarrapadas deles
“Quando eu voltar, eu faço”
“Se eu melhorar, conserto”
“Quando eu chegar, eu lavo”
“Se eu animar, ajeito”
“Quando eu sair, eu busco”
Tão essenciais
em seus sérios serviços
viris em seus não-me-toques
inquilinos da preguiça
curtindo e emporcalhando a casa
prometendo só de fachada
Sua Mãe
A Avó
Sua Tia
A Irmã
A Vizinha
sempre forçadas ao “e”
sem condicional nem escolha
o banheiro e as panelas e os quartos e as crianças e as roupas e as tarefas e as compras e a segunda e as contas e o domingo e o janeiro e o marido e o dezembro e o choro
mesmo sem tempo areavam e coziam e limpavam e cuidavam e lavavam e faziam e pensavam e pagavam e se davam mesmo doentes não paravam
(e odiavam também, o tempo todo, porque ninguém pode com tanto amor)
Pra não repetir tanto “e”,
Sara casou com Murilo,
que não botava condição.
Tão sensível o professor.
Mas também não dividia.
A ajudinha minguando dia a dia.
Ela, que só queria usar um “se” e um “quando” ao menos de vez em quando,
tá igualzinha
À Mãe
À Avó
À Irmã
À Tia
À Vizinha.
Sem condições.
O que será da filha?
Maria Amélia Elói
Imagem: "A leiteira", óleo sobre tela, de Johannes Vermeer
5 comentários:
É isso mesmo!!! Sem 'se' e sem 'quando. Todo dia o dia todo.
Sempre cuidando de tudo.!Parabéns!
Essa visão patriarcal que até hoje impera em tantas relações é uma violência sistêmica que precisa ser combatida todos os dias! Na pandemia ficou ainda mais exposta. Ótimo texto, Maria Amélia!
Obrigada pela leitura, pessoal. Abração, Maria Amélia.
Obrigada pela leitura, pessoal. Abração, Maria Amélia.
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