Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

SER

 


 








Não tenho que estar aqui

ou em qualquer parte.

 

Não tenho porque sentir

desta ou de outra forma

aquilo que não sinto em mim.

 

Nada justifica ou nega

a minha existência,

mas reforça a tese

da inércia como norma.

 

Mas se estou inerte

a minha inércia é uma postura.

É um estar aqui.

 

O que sou é este vazio em mim.

Este ímpeto não direcionado

a pulsar num imenso vácuo.

Um deserto interior a buscar água

num deserto exterior projetado.

 

Sou esta ânsia e esta calma.

Sou uma coisa e outra e não sou nada.

Sei que existo e saber isso não me ajuda

(a consciência que tenho de estar acordado

é a certeza que tenho de não estar dormindo).

 

Sei que posso mudar alguma coisa,

uma vez que tenho espaço físico

para agir como se fosse livre.

Mas nada do que eu fizesse teria significado.

 

Seria um trocar de camisa

depois de um suposto banho.

Seria como atravessar a rua

trazendo a outra margem dela até mim.

Serei sempre eu mesmo e na pior circunstância

de nada ter mudado em essência.

 

Sou isto:

Um porão vazio

abarrotado de quinquilharias.

 

Milton Rezende, in Areia (À Fragmentação da Pedra)


Share