Viu-a pela
primeira numa foto publicada por um dos seus amigos no Facebook. Era uma cena
de praia, como muitas outras publicadas por todo o lado no verão, e apesar de
estar uma das pontas, como que isolada do grupo, o seu olhar foi imediatamente
atraído por aquela figura esbelta de fato de banho escuro e discreto. Ocupou as
horas seguintes a pesquisar as fotos do amigo em busca de outras em que ela
tivesse sido incluída, de preferência com uma referência ao nome, embora achasse
improvável tê-la visto anteriormente sem nunca ter reparado nela.
Não
teve êxito, mas lembrou-se então de pesquisar também os amigos Facebook desse
seu amigo que não conhecia, deduzindo que se nunca a vira então não pertencia
ao seu círculo habitual. Deparou-se com muitas portas fechadas — aparentemente havia
mais pessoas atentas à segurança cibernética do que imaginara — mas acabou por
encontrar uma conta totalmente pública com fotos que a incluíam e, melhor
ainda, com tags nas figuras representadas.
Tinha
um nome exótico, Martina Madruga, tornando-se pois fácil descobri-la no
famigerado Facebook. A parte visível da sua página, bastante completa, por
sinal, confirmou a sua primeira impressão: era uma verdadeira beldade, uma ruiva
verdadeira de pele muito leitosa e olhos muito negros, uma combinação pouco
comum e que o encantou. E casada, infelizmente.
Sabia
que se lhe pedisse amizade diretamente havia boas probabilidades de ser aceite,
tendo em conta os vários amigos em comum, pelo menos de acordo com o Facebook.
Mas era uma abordagem demasiado direta para o que tinha em mente, uma relação bem
mais íntima.
Começou,
pois, por criar um perfil falso, incluindo uma foto sua com bigode, cabeleira
loura (em vez dos seus vulgares cabelos escuros) e dados totalmente imaginários,
da data de nascimento à ocupação, mas tendo o cuidado de citar apenas gostos e
interesses que lhe pudessem interessar ou, pelo menos, não lhe repugnarem, sem
mentir totalmente mas também sem criar uma correlação perfeita com os dela.
Entreteve-se até a tirar algumas selfies em fundos falsos, muito à “Green
Card”, para dar a ideia de que era uma pessoa real.
O passo
seguinte era pedir amizade aos amigos dela ou aos amigos dos amigos. Começou
pelos que tinham inúmeros amigos, centenas deles, deduzindo, acertadamente, que
não eram muito criteriosos e que aceitavam qualquer pedido de amizade.
Quando
já tinha um número razoável de “amigos” comuns atreveu-se então a enviar-lhe um
pedido de amizade. Foram dois dias de sobressaltos e de consultas quase
contínuas à sua página até receber a tão cobiçada aceitação.
Abriu
então o resto do perfil de Martina e descobriu, espantado, que o marido era um
quadro superior numa das suas empresas. Não se lembrava de o ter encontrado, o
que não era para admirar, antes de falecer o pai deixara tudo bem “oleado”,
permitindo-lhe passar dias sem pôr os pés no escritório de onde supostamente
geria o poderoso grupo económico que herdara.
Senhor
destes dados, deu início à sua ofensiva em duas frentes.
Por um
lado, saber tudo sobre o marido, tarefa facilitada uma vez que tinha acesso
direto aos dados completos de todos os funcionários das várias empresas. A
outra frente, e a mais importante, conquistar Martina sem lhe revelar
inicialmente quem era.
Começou
por pequenos comentários às publicações dela e pela publicação na sua própria
página falsa de pequenos textos e fotos que sabia que ela iria apreciar.
Descobriu que Martina tinha um círculo de amigos mais íntimo com quem
partilhava algumas coisas que não eram para “consumo geral” e tanto manobrou e
publicou que ao fim de umas semanas conseguiu entrar para ele.
Seguiu-se
então a fase mais delicada e arriscada, conseguir uma comunicação só entre
eles. Começou por pequenas mensagens privadas sobre filmes que vira ou livros
de que gostara (e que sabia que ela apreciaria, com base nos seus gostos
publicados), seguindo-se mensagens um pouco mais longas sobre diversos temas e
culminando finalmente numa proposta de troca de e-mails, aceite após algumas
hesitações.
Agora
sim, podia “entrar a matar”. Partindo do princípio de que a honestidade é sempre
a melhor arma, começou por confessar que o nome e a foto que usava eram falsos,
usando como pretexto a perseguição online (inventada) de uma ex-mulher (esta
sim real). Foi tão lógico nas suas explicações que Martina não só as aceitou
como teve até pena dele, forçado a recorrer a estratégias dessas devido ao fim de
uma má relação.
Foi a
abertura que procurava para passar a assuntos mais íntimos. Em breve trocavam
confidências e detalhes sobre as respetivas vidas, coisas que costumavam
esconder de amigos e até de familiares. Mas era a Internet...
Mais
íntimos não podiam ser, a menos que levassem a relação ao nível seguinte e a
tornassem física, encontrando-se pessoalmente.
Mas Damião
evitou sempre fazê-lo, esquivando-se até a vagas sugestões de Martina para que
tomassem um café nalgum lado. Tinha planos a longo prazo e se tudo isto viesse
a dar para o torto queria poder dizer, com total sinceridade, que nunca a
seduzira, que nada se passara entre eles, que fora apenas uma amizade
eletrónica platónica.
Martina
começou, eventualmente, a falar-lhe dos problemas que o marido estava a ter no
serviço. Sem que soubesse como, tinham surgido boatos de várias fontes sobre
desvios de dinheiro, despesas falsas, incapacidade para as funções que exercia,
enfim, todo um conjunto de insinuações e denúncias que acabaram por forçar os
seus superiores imediatos a investigá-lo.
Nada
encontraram, mas partindo do velho princípio de “não há fumo sem fogo” os
colegas começaram a evitá-lo e foi preterido numa promoção que semanas antes
estava mais do que garantida.
Tudo
isto levou a uma forte depressão, que Damião foi acompanhando através dos
relatos e queixas de Martina. Os conselhos e mensagens de apoio que lhe enviava
sobre o assunto cimentaram ainda mais uma relação platónica mas muito mais
íntima do que muitas relações bem físicas.
O
estado do marido de Martina foi piorando a olhos vistos e não foi exatamente
uma surpresa quando uma noite em que tinha estado a beber sozinho num bar perto
do escritório teve um acidente grave com o carro no regresso a casa, tendo
falecido dois dias depois sem ter recuperado a consciência.
Destroçada
e amargurada com os boatos que tinham levado indiretamente à morte do marido,
Martina cortou com quase todos os amigos e familiares que tinham, de certo
modo, aceite esses rumores como verdadeiros, virando-se cada vez mais para o
amigo virtual que sempre a apoiara.
Combinaram
finalmente um encontro, gostaram ainda mais um do outro agora que se conheciam
a sério e passadas umas meras semanas da morte do marido, casaram numa
cerimónia discreta.
Nas
vésperas do casamento, Damião passou algumas horas a eliminar o mais
completamente possível os vários perfis falsos que criara para lançar boatos e
insinuações sobre o marido de Martina. Sabia que dificilmente seria descoberto,
sobretudo depois da morte do alvo, e, acima de tudo, porque sabia exatamente
como agir para não deixar rasto. O curso anti-hackers que o pai o forçara a
frequentar quando pensara pô-lo à frente da segurança cibernética do seu grupo
de empresas dera bons resultados... talvez não exatamente como o pai esperara.
Bem
como o seu passatempo favorito, sempre desdenhado pela família como indigno de
um rapaz rico, restaurar pessoalmente automóveis em mau estado. Fora o que lhe
permitira sabotar o carro do marido de Martina de um modo tão perfeito que
qualquer investigação ao acidente só poderia resultar numa de duas conclusões,
acidente provocado pela mistura de álcool e antidepressivos ou suicídio
encapotado.
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