“Narciso em férias”, o documentário do Caetano Veloso, ainda ecoava dentro de mim, quando lembrei do meu primeiro namorado: Rubens. Foi o primeiro amor, a primeira vez que um homem - um menino afobado, atrapalhado e muito intenso - conhecia minhas entranhas em profundidade. Diferente da estreia das minhas amigas, foi bom, muito bom, bom demais.
Por que Rubens sai do fundo do baú e encontra Caetano flanando pelas minhas veias? Estranho. Logo ele, o garoto bonito, que se esvaiu pelos destinos que o tempo e a vida cuidaram de dispersar.
Tanta coisa a mexer comigo, tanta
história bruta imaginada revelada tardia, tanta poesia, tanta tristeza, tanta
ternura nos olhos de quem tanto sofreu sem mais nem porquê, porra, fui logo
lembrar do Rubens.
No momento em que Caetano filosofa sobre a similaridade da lágrima e do sêmen, o choro e a ejaculação como duas explosões sinceras e expressivas do espírito que nos habita, o avesso do vazio a que ele fora submetido, lembrei que quando gozei logo na primeira vez, quando senti Rubens escorrendo para a fora de mim, melando meus pelos (afobado, não carecia tal precaução. Eu já andava com a pílula na bolsa), senti exatamente um incontido manifesto das entranhas imateriais, o chamado orgasmo compartilhado com um suposto grande amor. E cai em prantos na hora.
Hoje sinto que foi menos pelo Rubens, o menino bonito, estabanado e gostoso, meu troféu disputado pelas colegas da faculdade, e mais pelo divisor de águas que a vida tinha me apresentado.
Hoje acordei com saudade curiosa do Rubens. Tanto tempo. Tantas vidas se sobrepuseram sobre aquelas horas no motel. Mas eis que sou persistente. Eis que existe Facebook. Eis que uma avó cinquentona espera o marido e o filho que ainda mora em casa dormirem, para mergulhar no computador.
Rubens. De quê? Carvalho? Cardoso? Cordeiro? Cordeiro! Está aqui. Fartos cabelos prateados, fortão, malhadão, barba rente grisalha, rei leão afrodisíaco, cercado da mulher alourada, um casal e três crianças, netos, supus. Não me detive em detalhes, pedi para ser meu amigo. Ele topou na hora e, não demorou muito, apareceu no Messenger acenando com aquela mãozinha.
- Oi, Lucia!
- Lucinha, eu mesma.
- Tanto tempo!
- É, Rubens. A vida voa.
- Lu. Lulunática. Você me chamava de
Bim.
- Isso. Bim. Bimbim.
- Lu, me diga. Por que de repente? A
essa hora?
- Insônia.
- Também sofro disso.
- Como está você, Bim?
- Caramba! Mais de 30 anos. Não sei por onde
começar.
- Tempo da faculdade.
- Impressionante, Lulunática, estou sentindo uma coisa.
- Também estou sentindo a mesma
coisa.
- O que?
- Uma volta no relógio. Uma vontade de sei lá o quê.
- Gozado. Parece que o tempo não
passou.
- Onde foi que paramos mesmo, Bim?
- Sei lá. Acho que quando fui estudar
em Boston.
- Me lembro. Choramos no aeroporto.
Muito boba eu.
- Acabei ficando por lá.
- Não tinha internet para achar os
sumidos.
- Que pena.
- Seguiu na Engenharia?
- Não. Economia. Voltei pro Rio, abri um banco e vendi o banco.
- Tá rico.
- Modestamente. E você?
- Jornalista.
- Você sempre escreveu bem.
- Modestamente.
- Kkkkkkk.
- Kkkkkkk.
- E agora?
- Ah, avó, escritora, professora, metida
a cozinhar.
- O agora que eu disse foi sobre nós. Já que você me achou,
quando a gente se encontra?
- Hummm... assim você me desconcerta.
- Muitas histórias deixamos passar. O
que perdemos, o que ganhamos...
- Um balanço?
- Por aí. Mas, por que lembrou de
mim?
- Ah, bobagem...
- Diz, Lulunática!
- Acabei de ver “Narciso em Férias”. Tem uma
passagem que me lembrou nossa primeira vez no motel.
- Nossa! Você é direta!
- Como direta? Foi só um flash, sem
intenção de flashback. Só para arrumar as fotos
no baú.
- Sei....
- Juro.
- Jura mesmo?
- Kkkk ... mais ou menos.
- Então... o que mesmo que você viu e
lembrou da gente?
- “Narciso em Férias”. O documentário sobre Caetano Veloso preso pela ditadura...
- Caetano Veloso? Você vê aquele
baiano viado subversivo comunista e lembra logo
de mim???
Não respondi. Bloqueei o sujeito e chorei de novo. Sou uma velha boba.
1 comentários:
A vida é a arte do encontro e do desencontro...
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