VRIDO

Ela falava os vrido. E cuidava deles com o carinho de ourives.
Limpava com tanto esmero, parecia que não existiam.

As janelas se abriam em flor saudando a sua chegada.
Os olhos do chão brilhavam com seu afago.
As louças dos banheiros saltitavam tal poodles quando
chega a dona. As portas se abriam sozinhas e, se pudessem,
se curvariam à sua presença.

Ela tratava as coisas como joias. As frestas milimétricas
entre os livros, os cantos mais altos, os rodapés mais esquecidos,
os bibelôs mais gentis, os porta-retratos mais afetuosos,
as dobrinhas da cozinha mais gordurentas.

Era tudo coisa-pessoa que merecia respeito, devotadas mãos,
gestos suaves, força, quando preciso, no escovão,
delicadeza de cotonete.

Sua flanelinha amarela era a vilã da poeira. Seu espanador, um pincel.
Sua vassoura, seu pas de deux. Enquanto bailava por todos os cantos, cantava.
Sua faxina era arte.

Gorda e ágil. Doce e arretada. Diabética, talvez, só Deus saberia,
só Deus cuidaria. Nem moça nem velha. Sorriso gostoso de criança,
daqueles que faz das maçãs donas do rosto inteiro e dos olhos, japoneses.

Bom humor sempre, serviço devido nunca.

Na hora de ir embora, banho tomado, cheirosa e sestrosa, deixava
sua pureza no cheirinho da casa feliz. E tinha lá o seu bordão:
- Até de hoje a quinze, Seu Zé.

Um dia, pisando em nuvens, encontrou no caminho um portão imenso,
de ferro forte sem fim. Achou a maçaneta de ouro sem brilho, embaçada,
como à pompa e à circunstância não cabia.
Começou a esfregar sua flanelinha amarela, quando um velho de barba
longa e branca apareceu.

- Você por aqui? Tão cedo?
- Foi Dona Covrid que mandou. Eu vim.

Até de hoje a sempre, Dida.


Comentários

Postar um comentário