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quarta-feira, 20 de maio de 2020

VRIDO

Ela falava os vrido. E cuidava deles com o carinho de ourives.
Limpava com tanto esmero, parecia que não existiam.

As janelas se abriam em flor saudando a sua chegada.
Os olhos do chão brilhavam com seu afago.
As louças dos banheiros saltitavam tal poodles quando
chega a dona. As portas se abriam sozinhas e, se pudessem,
se curvariam à sua presença.

Ela tratava as coisas como joias. As frestas milimétricas
entre os livros, os cantos mais altos, os rodapés mais esquecidos,
os bibelôs mais gentis, os porta-retratos mais afetuosos,
as dobrinhas da cozinha mais gordurentas.

Era tudo coisa-pessoa que merecia respeito, devotadas mãos,
gestos suaves, força, quando preciso, no escovão,
delicadeza de cotonete.

Sua flanelinha amarela era a vilã da poeira. Seu espanador, um pincel.
Sua vassoura, seu pas de deux. Enquanto bailava por todos os cantos, cantava.
Sua faxina era arte.

Gorda e ágil. Doce e arretada. Diabética, talvez, só Deus saberia,
só Deus cuidaria. Nem moça nem velha. Sorriso gostoso de criança,
daqueles que faz das maçãs donas do rosto inteiro e dos olhos, japoneses.

Bom humor sempre, serviço devido nunca.

Na hora de ir embora, banho tomado, cheirosa e sestrosa, deixava
sua pureza no cheirinho da casa feliz. E tinha lá o seu bordão:
- Até de hoje a quinze, Seu Zé.

Um dia, pisando em nuvens, encontrou no caminho um portão imenso,
de ferro forte sem fim. Achou a maçaneta de ouro sem brilho, embaçada,
como à pompa e à circunstância não cabia.
Começou a esfregar sua flanelinha amarela, quando um velho de barba
longa e branca apareceu.

- Você por aqui? Tão cedo?
- Foi Dona Covrid que mandou. Eu vim.

Até de hoje a sempre, Dida.


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José Guilherme Vereza
Carioca, botafoguense, pai de 4 filhos. Redator, publicitário, professor, roteirista, escritor, diretor de criação. Mais de mil comercias para TV e cinema. Uma peça de teatro: “Uma carta de adeus”. Um conto premiado: “Relações Postais”. Um livro publicado “30 segundos – Contos Expressos”. Mais de 3 anos na Samizdat. Sempre à espreita da vida, consigo modesta e pretensiosamente transformar em ficção tudo que vejo. Ou acho que vejo. Ou que gostaria de ver. Ou que imagino que vejo. Ou que nem vejo. Passou pelos meus radares, conto, distorço, maldigo, faço e aconteço. Palavras são para isso. Para se fingir viver de tudo e de verdade.
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