Estava refletindo sobre a
dinâmica de trabalho em tempos de crise. Como se já não bastasse a aflição da
dúvida do amanhã, ainda estou sendo constantemente testado sobre a necessidade
de minha permanência na empresa. Parece que estou em casa sem fazer
absolutamente nada, comendo o mísero dinheiro acumulado do seu gordo cofre.
Sim, a empresa, certamente (conheço de números e softwares e internet e o
escambau), possui uma monumental quantia para se manter, sem qualquer
movimentação, por, pelo menos, cinco anos. Mas o dono, numa demonstração
piedosa (a imagem que faz de si), reúne-se, quase que diariamente, para se
lamentar; para dizer que a empresa anda “mal das pernas”, “muito mal” (e
reforça a tônica da palavra mal), e se despede pedindo empenho, “sangue nos
olhos”. A vontade é de dizer: “Querido chefe, estou com sangue não só nos
olhos, que estão para explodir com o volume de planilhas e de relatórios, mas,
inclusive, nos dedos, nos punhos, no cérebro, nos pulmões arfados, com o
sistema prestes a colapsar”.
Outro dia, numa dessas
tentativas frustradas de desabafar com o Orfeu, um colega de trabalho, ouvi,
como um tiro no peito, o canalha me falar: “Que é isso, Dalton, você é um
brincalhão! Que merda é essa de cansaço? Tu trabalhava duro, eu lembro, das
oito às seis, praticamente sem descanso, e agora tá de mimimi. Daqui a pouco o
chefe vai te tirar” – e encadeou uma gargalhada desconexa, desesperada. “Sabe
que ele tem sempre uma carta na manga!” – e desligou.
Caralho, eu não me
emendo, fui ligar logo para quem? Passei três dias e três noites sem dormir
direito. Já não durmo bem. O pulha pensa bem que sou obrigado a trabalhar vinte
e quatro horas por dia, quando os supervisores e o próprio chefinho disparam e-mails
e mensagens para todos os meus contatos, até de madrugada. Que caralho!
Orfeu é um bajulador.
Pensa, o desgraçado, que a maneira dada a que se presta agora, na hora do aperreio;
na hora que “a empresa mais precisa”, vai levá-lo ao tão sonhado cargo de
supervisor – e acho que há uma sordidez aí em sonhar que serei seu subordinado.
Para a empresa, óbvio,
somos apenas ferramentas para o seu intento espúrio; peças substituíveis. E
digo mais: só não estamos enfurnados naquela sala horrorosa porque a empresa
não aguenta mais receber multa. Com a quantidade de processos nas costas, aí
sim, não suportaria mais um gigantesco por quebra das regras de isolamento. Só
por isso.
Apesar do chefinho
perguntar sobre a família – quem sabe uma sordidez arraigada dos crápulas –,
mesmo sabendo que moro com um cachorro, num aparente estado de preocupação, não
para de me mandar fake news, alardeando um possível retorno; ou seja,
manda às duas da madrugada, para voltarmos ao batente às oito do mesmo dia.
Piada. De mau gosto, claro.
Pelo visto, salvando a
Deysi da recepção, que está com o marido internado, e que não tem a menor
condição de me atender, a minha confidente e amiga, para a qual rezo todos os
dias, terei de reinventar o próprio sentido de se reinventar, já que o termo
não para de ser esculachado pelo meu chefe. Reinventar, portanto, servirá a uma
nova versão de mim, quiçá mudar os rumos, prontamente, quando essa loucura
passar.
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