Paula aproximou-se do
caixão da amiga e não a reconheceu. Sim, é costume vestir os cadáveres com a
melhor roupa, dá-se uma formalidade à morte. Nem mesmo um jogador de futebol, a
quem todos veem com os joelhos de fora em campo, seria velado com as roupas com
que conquistou um campeonato para o seu time. Mas não era aquilo que Cláudia
chamaria de elegância: ela, que sempre chegava com um belo vestido longo e um
colar com uma pedra que se destacava do conjunto – era cliente habitual dos
jovens hippies que vendem seu artesanato na praça diante da agência da Caixa
Econômica – jamais aceitaria aqueles trajes. Aliás, foi justamente para se ver
livre disso que se tornou funcionária da Caixa. Naquele banco estatal,
sentia-se respeitada pela postura oficial da instituição. Por isso mesmo chorou
de felicidade quando recebeu seu crachá com seu nome: Cláudia. E a família, o
que fazia agora? Vestia nela terno e gravata, certamente amarrando os seios
cheios de silicone para que não fossem percebidos – mas todos os seus colegas
de trabalho sabiam que eles estavam lá –, retirava o esmalte de suas unhas.
Certamente retirar-lhe-iam também o nome: escreveriam na lápide o nome que ela
recebeu no batismo e renegou quando saiu de casa: Cláudio.
Doía não poder impedir isso. Doía não ser legalmente
responsável por aquele corpo e não poder dar a Cláudia a despedida que ela
merecia e gostaria de ter tido, sendo reconhecida na morte como quis ser
reconhecida em vida. Não teve escolha senão entregar o corpo à família, que construiu
no velório o homem que Cláudia se recusara a ser. Paula mesma a encontrara
morta: era costume das duas irem ao cinema nas sextas, após o expediente. Mas
Cláudia, deprimida desde a morte do irmão – e mal acolhida no velório dele –
faltara dois dias seguidos ao emprego e não respondia aos telefonemas de Paula.
Paula correu à casa dela, tocou inutilmente a campainha, buscou um advogado,
foram à delegacia, invadiram o apartamento e a encontraram morta.
Envenenara-se. Paula encontrou na agenda o telefone do pai de Cláudia. À
família que a destratara no velório do irmão cabia fazer os funerais dela. Se
ao menos Cláudia tivesse um marido, seu corpo não teria ido parar nas mãos
daquela família. Talvez o marido a amparasse e ela não tivesse chegado ao gesto
extremo.
Paula então lembrou-se: é melhor ter um marido para
quando minha hora chegar.
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