O filho do meu marido tem a mesma
idade que eu. E não pude reprimir o desejo que senti quando entrou em minha
casa. É lindo como o pai, é lindo como o seu pai foi quando tinha a idade dele.
Sim, meu marido é lindo, eu o amo e ele me completa, mas agora nos meus sonhos
haverá um coadjuvante que será também o dublê do protagonista. Poderei sonhar
ter nos braços o corpo jovem do filho enquanto acredito estar fantasiando ser o
pai dele, rejuvenescido pela água milagrosa da fonte que Ponce de León buscava
na Flórida. Ou mentir para mim mesmo afirmando que o desejo que senti pelo
jovem é uma extensão do desejo que sinto pelo pai dele.
Esperei meses por esse dia. Pai e
filho estavam meses sem se ver. Ele nem sequer compareceu ao nosso casamento.
(Eu quis me casar no dia do aniversário do meu marido.) Respondeu numa mensagem
seca e lacônica que não viria por estar em período de provas. Estuda Medicina
em Juiz de Fora, não quis seguir a carreira do pai, juiz federal. No que mais
eles diferem? – eu me atormentava pensando.
Torturava-me pensando o que passa na
cabeça de um jovem que recebe a notícia de que seu pai planeja casar-se com um
homem. E um homem de sua idade. Certamente devia me julgar um aventureiro, um
gigolô, um pobre aproveitador que espera tornar-se viúvo de um juiz
endinheirado. Por isso mesmo insisti que meu marido deixasse seu apartamento na
Barra da Tijuca e viesse morar aqui comigo, nesta pequena casa que herdei de
meus avós maternos na Ilha de Paquetá. Disse-lhe que não posso afastar-me de
Paquetá, porque são essas as paisagens que gosto de reproduzir em minhas telas.
E pedi-lhe que entregasse o apartamento ao filho, como adiantamento de herança.
– Pus as cartas na mesa, fui sincero com meu homem: quero seu filho beneficiado
hoje mesmo com a propriedade desse apartamento, para que não pense que
disputá-lo-emos um dia quando você
falecer. – Como é doloroso falar de morte e de herança com quem amamos!
Ele acreditará que amo o pai dele?
Quem acredita? Eu mesmo acreditaria se me dissessem que um pobre pintor que a
custo paga suas contas e sobrevive vendendo telas com paisagens de Paquetá
casou-se com um respeitado juiz federal? O retrato de meu marido togado,
pintado por minhas apaixonadas mãos, que esperava na parede da sala o momento
em que meu enteado levá-lo-ia para casa, bastará para convencê-lo de meus
sentimentos? Dificilmente!
Fiz para ele minha macarronada.
Massa caseira, como em poucos e caros restaurantes se encontram. Regada por um
molho de tomates orgânicos, cultivados aqui nos fundos da minha casa, adubados
com os restos da cozinha – antes era com o esterco dos cavalos, mas os
protetores dos animais proibiram as charretes que tanto alegravam os turistas.
Ele mastigou em silêncio, e eu observava os traços do seu rosto em busca de uma
demonstração de prazer, meus olhos quase implorando um elogio – admita que seu
pai casou-se com um excelente cozinheiro!
Durante toda a tarde, quando, silenciosos, jogamos
xadrez e buraco, os retratos de meu marido e de meu irmão nos olharam da
parede. Agora resta-me só o retrato do meu irmão, que jamais virá aqui para
conhecer meu marido. Minha mãe quis passar com ele seus últimos dias. Na
Itália. Lá, pintei o retrato dela, que está com ele. O retrato dele eu trouxe
para cá. Garboso em sua batina, diante da Igreja de Santa Croce, dentro da qual
jaz o meu primeiro amor: Michelangelo Buonarrotti. Essa a explicação que lhe
dei para a única pergunta que me fez.
Quando anoitecia, eu quis levar os dois até a estação,
despedir-me dele à entrada da barca que o levou para o continente, mas meu
marido veio segredar-me que não. Que o filho queria falar com ele a sós. Quando
voltou, servi-lhe um chá verde e meu marido sentou-se no sofá – que eu comprei
antes de conhecê-lo, com o dinheiro que me pagaram por uma tela que retratava a
casa de José Bonifácio, ministro do Império, junto à praia que leva seu nome e
cujas águas não são tão límpidas quanto a memória desse Pai da Pátria.
– Meu amor, Gabriel contou-me que eu já sou avô. Ela
se chama Sofia. É filha de uma estudante de Arquitetura lá de Juiz de Fora.
– Vão casar? Poderiam morar no apartamento da Barra,
que eu insisti para que você colocasse nas mãos dele.
– Parece que
não. Parece que Sofia é fruto de uma aventura de carnaval.
– Isaías, se
ele não disse isso em minha presença, quer dizer que ele jamais me deixará
segurar nos braços a sua neta.
Meu marido engoliu junto com o chá adoçado com mel a
amarga resposta que não quis me dar.
12-12-2017
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