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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Como Lidar com Fanáticos: Teoria e Prática



           O caso foi que, na cidade de Jundiaí, no estado de São Paulo, a Companhia Teatral Palhaços de Atenas quis encenar uma adaptação do romance “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de José Saramago, financiada com recursos oriundos da Lei Rouanet, aquela lei que permite que empresas entreguem 4% do que pagariam em imposto de renda para projetos culturais, podendo, inclusive, beneficiar-se com isso, tendo seu nome entre os apoiadores do projeto. A captação até não foi difícil: livrarias, restaurantes, hotéis e até um grande banco quiseram vincular seus nomes a um espetáculo que popularizaria a obra de um Nobel de Literatura – popularizaria sim, porque, uma vez por mês, os artistas fariam apresentações exclusivas para alunos do Ensino Médio da rede pública.
            Qual não foi a surpresa da equipe quando, finda a primeira semana, veio contra eles a liminar de um juiz que, incitado por líderes religiosos, proibia a encenação.
            A vontade do diretor foi ir aos jornais mandar o meritíssimo juiz enfiar a liminar na bunda, pois o artigo 5º, IX da Constituição Federal garante plena liberdade para os artistas. Foi isso mesmo que lhe disse a atriz que interpretava Maria de Magdala, amante de Jesus, estudante de Direito cujos rompantes verbais punham em sobressalto sua família quando imaginava suas futuras atuações nos tribunais.
            Mas o diretor era um gentleman e imediatamente expôs o plano B, bem mais eficiente. Fora, incógnito, a uma igreja e conseguira doações de bíblias para todo o elenco. Juntos leriam uma história do livro sagrado e, reaproveitando todo o material da peça censurada, encenariam de improviso uma página das Escrituras Sagradas.
            Um exército de jornalistas esperava as palavras do diretor e eis que ele lhes disse simplesmente isso:
 – Reconhecemos nosso erro e, em sinal de paz, convidamos o meritíssimo juiz e os líderes religiosos que moveram contra nossa condenável peça essa piedosa ação para assistirem, no sábado, à montagem que faremos de histórias bíblicas, obedecendo estritamente o livro sagrado.
E, no dia seguinte, os jornalistas, juntamente com o juiz e os líderes religiosos, viram as filhas de Ló embriagando o pai e fornicando com ele, Jefté sacrificar a própria filha em holocausto ao Senhor, o festival de estupros promovido pela tribo de Benjamin, o príncipe Amnon violentando a própria irmã e Jesus Cristo açoitando vendilhões do templo que apregoavam os produtos vendidos pelos missionários da TV.
Finda a representação, o diretor foi ao proscênio e disse:
 – Agora desafio os senhores a proibirem a Bíblia Sagrada.
(18 de setembro de 2017)

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1 comentários:

EXCELENTE ARTIGO! FOI MUITO INSPIRADOR CONHECER A SOLUÇÃO INTELIGENTE DO DIRETOR! ELE FOI ARTISTA NO PALCO E FORA DELE! PARABÉNS!

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