— Mãe? O que é o Natal?
A mulher, que preparava alguns legumes, sobre a mesa, olhou
para baixo, para a filha, com cerca de sete anos. De seguida olhou para o
marido, Josh, que se debatia com uma agulha, a coser uma peça de couro. Este
devolveu-lhe a mirada, com uma expressão enfastiada, como que percebendo o que
vinha por aí.
— Nunca ouviste essa palavra, Miriam? — A mãe sentou-se num
bloco de madeira, junto à lareira que crepitava e iluminava-lhe o rosto em tons
de dourado.
Percebendo que aquele era o prenuncio de uma das fantásticas
histórias da sua progenitora, a criança aconchegou-se no colo dela.
— Não. Apenas agora, quando a disseste. — Os enormes olhos
da criança reluziam, expectantes. — Festejar o Natal? É uma festa, então.
O irmão da criança, pouco mais velho, interrompeu as suas
brincadeiras e veio sentar-se junto deles.
— Já vi que hoje, vamos comer tarde… — Resmungou Josh, quase
de si para si. — Podias deixar essas crendices para depois, Yara.
— Sim, é uma festa. Uma festa de aniversário. — A mulher
ignorou o esposo, enquanto começava. — Há muitos, muitos anos atrás, numa
terra, muito, muito longe, chamada Belém, nasceu uma criança. Era, porém, uma
criança muito especial.
— Porquê? — Os enormes olhos de Miriam estavam fitos no
rosto da mãe.
— O povo dessa criança, estava a sofrer muito, com uns
homens chamados romanos. Eles estavam a escravizá-los e havia uma lenda que
dizia que ia nascer um rei, que iria expulsar esses homens.
— Ora! — Romi, o mais
velho dos filhos criticou. — Se ia nascer ainda, bem podiam esperar que ele se
tornasse rei. Já estariam todos velhos! E os romanos podiam matá-lo logo que
nascesse, ou à mãe do rei.
— O problema, — Yara continuou, imperturbável. — era que
ninguém sabia quem seria a mãe, nem onde nasceria esse rei. Mas as pessoas
esperavam-no e desejavam muito a sua vinda.
— E quem eram os pais desse rei? — A curiosidade insaciável
de Miriam não dava tempo para explicar.
— Ninguém sabia, como eu disse, mas foram escolhidas duas
pessoas humildes, com poucos haveres, que viviam numa região chamada Nazaré.
— Humildes?!? Poucos haveres?!? — Romi não conseguia
acreditar. — Um rei não nasce de pessoas assim! Quem os escolheu?
— Quando a mulher engravidou, veio um anjo, que lhe disse que
iria trazer ao mundo um rei. — A mãe continuou pacientemente. — O casal
escolhido era Miriam e Joshua.
— Como eu e o papá! — A menina estava felicíssima.
— Que é um anjo? — O rapaz estava interessado noutros temas.
— Anjos, são seres de luz, que habitam noutra dimensão. Sós
os vemos, se eles quiserem.
— Yara. — Josh censurou, sem, no entanto, deixar o trabalho.
— Vais assustar as crianças.
— Não fazem mal a ninguém. — A mãe sossegou-os. — São
mensageiros do Senhor dos Céus e foi Ele, quem escolheu e mandou o anjo avisar
Miriam.
— Não foi muito esperto, esse Senhor dos Céus. — Afirmou
Romi com desdém. — Se escolhesse alguém rico e poderoso, era muito mais fácil
para o rei.
Josh e Yara olharam-se rapidamente e riram-se do comentário.
— Tens razão, meu filho. — Concordou a mãe. — Mas Ele preferiu
alguém que não estivesse habituado a uma vida boa e sem dificuldades. Queria
alguém que não sentisse falta dos luxos e andasse entre os pobres e doentes a consolá-los
e a ver o que precisavam. Este, não seria um rei que comanda exércitos, mas o
rei do amor e da compaixão.
— Então! — O rapaz ficou perplexo. — Eles não queriam um rei
para lutar contra os romanicos?
— Romanos! — Yara corrigiu, sorrindo. — Sim, queriam, mas o
Senhor dos Céus achou que eles precisavam era de amor e compaixão, numa altura
em que se morria por qualquer coisa e os homens lutavam por tudo e por nada.
— Iiihh! Eles vão ficar zangados! — Concluiu Romi.
— Sim, ficaram, mas isso é outra história e agora estamos a
contar a história do Natal. — A mãe teve de cortar as perguntas para poder
continuar. — Um dia, Joshua e Miriam, tiveram de ir à cidade grande, Belém,
porque tinham de resolver uns problemas lá e foram muito preocupados, porque a
criança estava quase a nascer. Mesmo assim, fizeram a longa viagem entre as
duas terras, naquele tempo andava-se quase sempre a pé e quando chegaram lá, já
era de noite e não arranjavam um sítio para dormir. Andaram de porta, em porta,
mas ninguém os ajudava e acabaram por sair da cidade, onde encontraram um
barracão de uns pastores para ficar.
As duas crianças estavam penduradas das palavras da mãe, de
olhos vivos e atentos.
— Foi assim que o rei dos homens nasceu. Num monte de palha,
dentro de uma barraca de pastores, aquecido pelo bafo dos animais que lá se
abrigavam. Chamaram-lhe Yeshua. — Não se ouvia um ruído, enquanto ela
continuava a narrativa. — Passado algum tempo, começaram a chegar pastores e
alguns agricultores com roupa e comida, que ofereceram ao casal e ao
recém-nascido. Por fim, até uns reis, vindos de terras distantes, trouxeram
prendas valiosas que lhes ofereceram também.
— Como é que essa gente soube? — Miriam estranhou. — Se eram
pobres e ninguém sabia que estavam para ali?
— O Senhor dos Céus mandou um anjo avisar as pessoas em
volta. E os reis que vinham de longe, já há vários dias seguiam uma enorme
estrela brilhante, que atravessava o céu e pareceu parar exatamente por cima do
barracão. Todos souberam que aquela criança iria ser muito importante na
história da humanidade. Desde essa altura e por muitos, muitos anos, neste dia,
o do nascimento de Yeshua, as pessoas davam prendas umas às outras para lembrar
o nascimento desse grande rei. Por isso, hoje também vocês vão receber uma
prenda. — Dito isso, ergueu-se e presenteou ambas as crianças com um pequeno
prato com duas fatias de pão com mel, sorrindo de satisfação perante a alegria
deles. — Até o resmungão do vosso pai tem. — Ela apresentou a mesma iguaria ao
homem, que pousou imediatamente o trabalho.
— Onde arranjaste isto? — Quis saber o esposo, por entre gulosas
dentadas.
— Parece que finalmente, a colmeia que o nosso vizinho
tantos se tem esforçado para recuperar, está a ter resultado. — Também Yara se
deliciava com o petisco. — Finalmente as pequeninas abelhas se estão a adaptar
à atmosfera e a produzir esta doçura.
— Porque é que agora não se festeja o Natal, mãe? E não se
fala do rei Yeshua? — Miriam havia devorado a sua porção e estava pronta para
mais perguntas.
— Os homens foram-se esquecendo destas histórias e
preocuparam-se com outras coisas. — O rosto da mãe era triste. — Durante algum
tempo, diziam até, que Yeshua era o culpado das coisas más que lhes aconteciam
e que eram apenas consequências das ações deles. Mas isso não interessa agora,
mas sim que devemos lembrar que todos os anos, neste dia, é como se Yeshua
nascesse outra vez e os pecados dos homens são perdoados.
Como um raio, Miriam correu porta fora e perscrutou avidamente
o céu, em busca da estrela brilhante que assinalaria o local onde nascia
Yeshua. A abóboda celeste estava imperturbável, continuava coberta de pequenos
pontos brilhantes onde, a espaços, um risco veloz aparecia e desaparecia. Sentindo-se
um pouco desiludida, sentou-se na entrada da porta. Quem sabe, a estrela ainda
apareça, para lhe indicar o caminho. Talvez estivesse, ainda escondida, por trás de
uma das três enormes luas, quase alinhadas, que lhe iluminavam a noite.
Manuel Amaro Mendonça
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