“Com
umas cordas [Jesus], fez um chicote e expulsou-os a todos do Templo, com as
ovelhas e os bois. Deitou por terra o dinheiro dos banqueiros e derrubou-lhes
as mesas.”
(João
2, 15)
Era uma vez um homem justo e honrado
que se tornou presidente do Brasil. Numa noite de quarta-feira, após cumprir
seus compromissos de chefe de Estado e de governo, ele ligou a televisão, pois
isso sempre o ajudava a pegar no sono. Eis que, passando os canais, ele viu um
pastor chamado Valdemito Sandiablo, que alugava longas horas da programação de
uma emissora de TV aberta, anunciando um martelo ungido, que teria o poder de,
pela graça de Deus, realizar desejos. Bastava que o fiel o comprasse, por um
preço bem superior a um salário mínimo, e tocasse com ele os objetos que
desejava. Sem pensar duas vezes, o presidente ligou para o número indicado na
tela e comprou o objeto, dando o endereço de seu apartamento em São Paulo, para
onde iria no fim de semana almoçar com a filha e o genro.
Eis que, na semana seguinte, em
visita oficial ao Reino Unido, o presidente do Brasil, ao lado do Ministro da
Justiça, diante de várias câmeras, postou-se diante do Palácio de Buckingham,
onde seria recebido pela Rainha. Para surpresa de todos, o presidente
desabotoou o paletó e fez ver que, por baixo dele, enfiado na calça, estava o
famoso martelo ungido. Exibindo-o para as câmeras, disse: “Em nome de Jesus de
Nazaré, eu tomo posse deste palácio e de tudo a que a ele se relaciona: a coroa
da Inglaterra e de todos os reinos da monarquia britânica.” Feito isso, foi ao
encontro da Rainha e anunciou: “Madame, se Vossa Majestade não me entregar
agora diante das câmeras a coroa da Inglaterra e abdicar do trono em meu favor,
estará comprovado o estelionato praticado por um líder religioso brasileiro,
que vende por um preço extorsivo este martelo ungido, dizendo que, pela graça
de Deus, este objeto realiza desejos.”
A Rainha não teve outra reação a não
ser rir do absurdo, ao que retorquiu o presidente: “Usarei as imagens de sua risada como prova do crime desse fariseu. Senhor Ministro da Justiça, na falta
de um delegado de polícia, é a Vossa Excelência que faço a denúncia. É preciso
colocar esse criminoso na cadeia. E declaro aqui, diante das câmeras, que está
suspensa a concessão dessa emissora que aluga o espaço que lhe foi concedido
pelo Estado brasileiro para um homem que engana pessoas pobres e ignorantes e
lhes rouba as economias, ao invés de veicular uma programação que promova a
cultura e a informação, como manda a nossa Constituição.”
No dia seguinte, os jornais acusaram o presidente de
atentar contra democracia, contra a liberdade de expressão e contra a liberdade
religiosa. Retrucou o presidente que nenhuma igreja havia sido fechada, nenhum
altar destruído, nem uma única palavra tinha sido dita por ele, presidente, contra a fé cristã, contra o islamismo, contra o candomblé ou qualquer outro
credo, mas que condenara a prática de estelionato por parte de um líder
religioso que deveria levar consolo aos fiéis e não abusar de seu sofrimento
para extorquir-lhes as minguadas economias. E a prova de que o martelo ungido
não tinha nenhum poder mágico para realizar desejos estava registrada por
aquelas câmeras: a risada da Rainha tinha sido exibida em todos os telejornais.
E a emissora que permitira que esse crime de estelionato alcançasse os lares de
tantos brasileiros era cúmplice do crime, e, por isso, sua concessão estava
sendo justamente cassada. Era assim que ele agia em favor do bem comum – o que
se dissesse ao contrário nada mais poderia ser que tentativas de misturar o
sagrado direito à liberdade de expressão com a prática do mais nefasto
estelionato.
O pastor Valdemito tentou sair do Brasil tão logo viu
encerradas as atividades da emissora com ele acumpliciada, mas a Polícia
Federal retirou seu passaporte e o algemou no aeroporto. Sabendo da prisão do
seu líder, os fiéis foram à rua protestar. Em cadeia nacional de rádio e
televisão, o presidente prontamente os tranquilizou:
– Senhores, retirarei a denúncia contra o pastor
Valdemito tão logo a Rainha da Inglaterra me conceda seu trono. Ou pelo menos
coloque não todos os seus reinos em minhas mãos, mas tão só o reino da Jamaica.
Já encomendei mesmo a um artista plástico a confecção de uma coroa para quando
ela me declarar monarca da pátria de Bob Marley. Pois, como todos vocês viram,
eu toquei com o martelo ungido o Palácio de Buckingham. E o pastor Valdemito
garantiu em seu programa que, pela graça de Deus, quem comprasse aquele martelo
ungido teria seus desejos realizados. Dou a ele a oportunidade de provar a
veracidade dos poderes que ele atribuiu ao martelo.
No dia seguinte, os outros pastores responderam que o
martelo não funcionou para o presidente porque ele não tinha fé. Em novo
pronunciamento, o presidente mostrou a bela coroa que fora confeccionada
especialmente para ele e disse:
– Encontrem um único fiel com fé do tamanho de um grão
de mostarda, e eu o levarei até Londres para que faça o mesmo teste que eu fiz.
Se a Rainha o nomear imperador da Jamaica no lugar dela, eu retirarei a
acusação contra Valdemito e ele estará livre.
Responderam os pastores que aquele pedido não podia
ser realizado pelo martelo ungido, pois isso dependia da vontade da Rainha, a
quem Deus dotara de livre arbítrio, como a todos os seres humanos.
– Faço então
outra proposta. Valdemito pode ir ao Hospital do Câncer, onde certamente haverá
pessoas de muita fé, aptas a receberem um milagre. Faça ele desaparecer um
único tumor maligno pelo poder da oração, como tantas vezes disse no seu
programa de TV que tinha feito. Eu então reconhecerei que ele é um homem de
Deus e retirarei a acusação de estelionato contra ele. Irei mesmo visitar o
Hospital do Câncer amanhã e o convido a vir comigo, pois a Constituição garante
o direito à assistência religiosa aos enfermos internados e ele pode fazer essa
boa ação. Mas, se não conseguir curar ninguém, acrescentarei contra ele a
acusação de charlatanismo.
Valdemito não se animou a acompanhar o presidente na
visita ao Hospital do Câncer, a Rainha não entregou o trono da Jamaica ao
presidente e, assim, aquele santo homem continuou preso e o seus fiéis passaram
a orar todos os dias para que ele tivesse forças para suportar essa provação
que Deus lhe enviara.
4 comentários:
Bela paródia dos dias atuais.
Bela paródia dos dias atuais. Henrique Bon.
O país está cheio desses personagens canastras, seria muito bom que as pessoas tivessem um pouco mais de sagacidade e identificar eles, tem até um maluco desses
que tá com a faixa presidencial, SOS Brasil, adorei o texto!!
O brasileiro acredita em kit gay e mamadeira de piroca! Enquanto existirem os trouxas, existirão os espertos. Triste, mas é a nossa realidade!
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