Vésperas de Natal, 2018.
Esperança que ânimos receberiam
panos quentes, diferenças seriam esquecidas,
certos assuntos delicados evitados.
- Vai ter Natal este ano?
- Vai, na casa da Tia Leninha. Como sempre.
- Vai todo mundo?
- Ah vai, o Natal é mágico para as crianças.
- E os adultos?
- Bico calado. Só vale falar do calor e das rabanadas.
- Hipocrisia.
- Relaxa, não vai ser diferente dos outros anos.
- Verdade. Vamos todos pelas crianças.
- Ah, detalhe: não vai ter amigo oculto.
- Tá certo. O clima está para inimigo declarado.
E chegou a noite. Todos lá. Uns falavam do Palmeiras,
outros do filme do Queen, um grupinho mais separado
comentava Spike Lee. Muitas bobices simpáticas.
Claro, havia um constrangimento no ar.
- Bonita a sua saia.
- É do ano passado.
- Que crise, hein? Mas agora tudo vai melhorar.
Silêncio.
- Esse seu tênis deve ser muito confortável.
- É. Parece que estou descalço.
- Descalço, mas com o rastro da Nike.
Silêncio.
- O que é isso?
- Gin Tonica. Voltou a moda.
- O que são essas bolinhas pretas?
- Zimbro.
- Deus-me-livre, parece cocô de cabrito.
- É de coelho. Afrodisíaco.
Silêncio,
- Você viu o show do Roberto Carlos?
- Sempre igual. Preferi o filme do reloginho da Globo.
- Muito bonito.
- Que produção!
- Sempre me emociono.
- Pena que é da Globo.
Silêncio.
- Pessoal, vamos servir a ceia.
- E os presentes?
- Depois, meu filho, sempre depois.
Tia Leninha, em sua ingenuidade generosa, apareceu da cozinha.
- Queridos, fiz um prato novo.
- Até que enfim! Uma novidade!
Tio Genilson bateu continência para anfitriã.
Alguns morderam a língua, engoliram o prosecco a seco, outros
repetiram o gesto. Mas todos rodearam a mesa.
- Ora, vejam!
- Arroz de lula!
À primeira piadinha, seguiu-se um respostão, logo depois
a réplica, a tréplica e, claro, o charivari instaurado.
Dedos em riste, perdigotos traçantes, veias saltadas.
Não houve tempo para silêncios respeitosos.
Tia Nancy saiu com fragmentos de rabanada no laquê.
E as crianças só foram receber os presentes em casa,
dias depois.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2018
O NEONATAL
por José Guilherme Vereza
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