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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Coragem pela Liberdade - O Oscar de 2018

Por Lohan Lage Pignone
(Contém spoillers)             

             Quando o herói hesita, o mundo inteiro para à espera de sua decisão.
             A pedra está ali, bem no meio do caminho. E agora, José?
        Assisti a oito dos nove indicados ao Oscar de Melhor Filme este ano. Tentando rascunhar um painel do que a Academia decidiu apresentar ao mundo, percebo algumas nuances sintomáticas dos nossos tempos. E a mais contundente, no meu entender, é a coragem de vivenciar a liberdade.
Nadar contra a maré talvez seja o maior dos desafios. Sobretudo quando a maré está pra peixe. Viver a liberdade é cruzar uma linha invisível em um oceano. Superar a exaustão, as intempéries, o ímpeto das ondas. É Truman em seu veleiro, buscando escapar de sua cela hiper-real. Exige coragem, senhores. Já dizia Ana Cristina César que “virar pelo avesso era uma experiência mortal”. E o que seria a liberdade senão virar pelo avesso, dadas as circunstâncias da nossa realidade?
            Morre-se ou não. Renuncia-se. Ou não. Abre-se mão da reputação, da segurança, das heranças, dos amores, dos hábitos. Not always. O herói vacila ao se aproximar da caverna profunda. Pensa se de fato valerá a pena dar um passo no escuro. A pedra está no caminho, e mais do que nunca é hora de contorná-la.
Em “Darkest hour”, o personagem de Winston Churchill, interpretado por um monstruoso Gary Oldman, renunciou a um acordo de paz com os nazistas e assumiu de peito aberto o risco de uma invasão iminente, apoiando-se nos apelos patrióticos do povo inglês. Já em “The Post”, Kay, vivida pela recordista de indicações ao Oscar, Meryl Streep, renunciou a uma amizade de longa data, ao governo, aos banqueiros; em nome da liberdade de expressão. Em “Lady Bird”, a passarinha vivida por Saoirse Ronan voou para longe do ninho. Em “Three Bilboards”, o desfecho aponta um dilema na trajetória dos personagens de Mildred Hayes (Frances McDormand) e Jason Dixon (Sam Rockwell), também calcado em um ato de coragem em prol da liberdade; todavia, aqui, de uma liberdade que é viver sabendo-se juiz do próprio destino, livre de qualquer martelo de tribunal ou dependência legislativa. Em “Call me by your name” a coragem está no processo da descoberta, que demanda a uma experimentação múltipla, atendendo a uma ebulição inexorável de vida por todos os poros. E ainda, eu diria, que o protagonista Elio (Timothée Chalamet) finca no solo de uma geração a bandeira da liberdade, destituindo um território antes ocupado por personagens como o seu pai, Mr. Perlman (Michael Stuhlbarg), que preferiu não contornar a pedra drummondiana e seguir adiante à caverna profunda.
            Essa dona coragem também permeia a “Dunkirk” de Nolan, quando civis tomam a frente da operação Dínamo – instituída, vejam só, pelo Churchill de outro filme indicado – e tudo funciona como uma corrente eletrificada pela bravura e convicção na tomada de decisões que salvam vidas, modificam o destino de uma nação e impedem uma nova e nefasta configuração do mapa-mundi. Em “The Shape of Water”, Elisa (Sally Hawkins) é a heroína que busca, simplesmente, a liberdade de ser humana. É preciso coragem para se ter humanidade em um mundo repleto de seres monstruosos... em um mundo onde seres devoram-se uns aos outros por conta da etnia, da sexualidade, da religião, da classe social. É preciso ter coragem para assumir a forma informe da liberdade e do amor.


          Por fim, e não menos importante, ressalto a importância de um filme que aparentemente “corre por fora” na disputa; mas que a meu ver, corre mesmo rumo à estatueta dourada. “Get Out” não necessariamente vai à contramão dessa coragem para viver o estado de liberdade, mesmo que ilusório; o filme de Jordan Peele apresenta um dos melhores roteiros dos últimos tempos porque se propõe a expressar o chamado e a força colossal que o sistema impõe sobre nós, meros mortais. É o filme que grita “vá, coragem! Fuja desse sistema que te escraviza!”. Acompanhamos a angustiante trajetória do nosso herói Chris, que busca atender a esse chamado; chamado este que não se restringe ao conflito do filme, mas que reverbera desde os tempos ancestrais, de todos os negros que deram suas vidas em nome da liberdade; e sim, Chris assume essa responsabilidade histórica e combate a hipnótica força de um sistema representado por uma família branca, de elite. É essa mesma hipnose que vivenciamos, dia após dia, capitaneadas por aqueles que detêm as ferramentas que exercem tal poder.
            Ainda não tive a oportunidade de assistir à “Trama Fantasma”, do cultuado Paul Thomas Anderson. Mas não duvido que fuja desse parâmetro. A Academia Cinematográfica, uma convenção tradicional histórica, exclama a coragem para que se viva a liberdade; para que se rompa a teia obscura que entrelaça tantas vidas; para que haja declarações livres de assédios, de preconceitos; para, enfim, poder corroborar que o cinema é o farol que nos guia e encoraja neste oceano, e nos auxilia a cruzar a tal linha invisível.

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