Tasso
não sabia cozinhar. Carla não andava de bicicleta. Ulisses era maltratado pela
informática. Mônica não cantava nem no banheiro. Já Catarina não sabia era
cagar, coitada. Via-se obrigada a manobras radicais durante a prática do número
dois. Ah, a solidão dolorosa, a desgraça aguda de uma mulher prostrada em seu trono
— qual náufraga ilhada há meses no coração do mar...
Chegava
para se sentar no vaso cheia de esperança, mas logo se desiludia com o fracasso. Não era de muito drama, mas durante cada esforço defecatório sempre se queixava
da vida. Às vezes fazia troça de si mesma: como uma profissional bem-sucedida,
influente e respeitada era incapaz de executar uma tarefa tão básica e
primordial como fazer caquinha?
Quando
nasceu, sabia obrar com perfeição. Era um bebê normalzinho, coliquento, que enchia fraldas e chorava
de bunda suja, reclamando a atenção da mãe, como qualquer outro neném. Foi
desaprendendo com o tempo, por conta dum ressecamento cada vez mais crônico. A
partir da adolescência, a preguiça do intestino se instalou com poder. Principalmente
quando a garota passava um tempo fora de casa. Ensino médio, faculdade,
mestrado, doutorado, empregos, viagens, namoro, noivado, casamento... Tudinho
enfrentado com constipação. As gravidezes e os nascimentos dos filhos — por
partos normais — agravaram o problema.
A princípio, ela procurou a ajuda de clínicos
gerais e gastroenterologistas. Falou com a obstetra também. Colecionou dicas e receitas
de purgantes e reguladores intestinais, comprados em farmácias alopáticas e
homeopáticas, nas raizeiras da esquina ou arrancados da horta da vó.
Experimentou azeite, ameixa, sene, pitanga, almeida prado, lactulona,
naturetti, lactopurga, muvinlax e outros de sufixo lax, óleo mineral,
metamucil, tamarine, supositórios de glicerina... (Na época ainda não se podia recorrer
ao tal ministro laxante.) Experimentou até um remédio de nome esquisito,
caríssimo, que, segundo o médico, iria dar "inteligência" para o intestino, iria
ensiná-lo a funcionar legal. Papo reto? Não resolveu.
Catarina fez inclusive umas sessões de
fisioterapia para reabilitação da musculatura do assoalho pélvico (um
tratamento para tentar recuperar a ordem funcional proctológica — como se
fossem umas aulinhas práticas de autoescola para o mau cagador aprender a
dirigir os movimentos dos próprios fundos até chegar ao êxtase da expurgação).
Mas a fisioterapia também não deu jeito. Outra experiência sem sucesso foi deitar-se
no divã e abrir seu coração para o psicoterapeuta. Nem a cuca sarada ajudou a
corrigir o funcionamento do traseiro.
É que o problema era fisiológico! Comprovou-se
um autêntico defeito nos países baixos de Catarina. O diagnóstico só foi dado depois
de muita labuta, quando ela enfim se consultou com um proctologista renomado da
cidade. O doutor submeteu o fiofó da nossa heroína a vários exames e descobriu,
afinal, o que causava o enguiço da paciente. Ela passou até pela abominável
defecografia (um raio X da ação de cagar, exame deprimente, oferecido por
hospital de rede pública: primeiro enfiam uma massa branca no ânus da sujeita e
depois ela tem de se sentar numa cabine e apresentar ao seleto público de
médicos e radiologistas como se comporta antes, durante e após seu belo espetáculo
de catarse fecal).
O
resultado da defecografia confirmou que Catarina precisava de uma correção cirúrgica
de retocele. O tecido entre a parede posterior da vagina e a parede anterior de
seu reto era frouxo, o que dificultava a passagem das fezes. As bostas ficavam
lá, retidas naquela bolsa, teimando em não sair. Por isso, a coitada sofria com
a defecação incompleta, força excessiva e manobras inacreditáveis para
ejetar as preciosas pedras no vaso. A falta de disciplina e controle lhe
causava constrangimento, desconforto, mal-estar, dor, fraqueza e uma coleção de
hemorroidas.
Mas a
história de Catarina não continuou essa bosta cocozenta pra sempre. Teve uma
reviravolta de sucesso há alguns meses. O especialista entrou no palco do
teatro da vida dela para salvá-la de sua proctodisfunção. Merda! Deu um show.
Acertou em cheio na performance! A paciente enfrentou a cirurgia, teve o fiofó remendado e grampeado (procedimento bem chatinho, pós-operatório doloroso) e,
enfim, reaprendeu a cagar como dantes. Aleluia.
Agora, antes de
sair de casa para exercer a profissão, Catarina toma café da manhã, senta-se no
vaso, faz seu serviço com eficiência, toma banho e se emperiquita toda, plena
em suas faculdades vitais, como a maior parte dos cidadãos. Qualidade de vida
adubada!
Pois
bem. Tasso ainda não se garante na cozinha. Mônica não canta nada. Mas Catarina
reaprendeu a evacuar e está feliz com seu hábil fiofó.
Ah, esta é
uma obra de ficção e não deve entrar para os Anais da História. Qualquer
semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.
Maria Amélia Elói
1 comentários:
Coincidência? Sou Catarina rss
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