A gente que é mulher quer ser um mundo de coisas (astronauta, arqueóloga, estudante, artista, freira, presidente, estrela). A gente sabe que pode e gosta de ser tudo quanto é treco junto. A gente é forte, tem um plus a mais excedente extra multiplicado. A gente é muito, um tudo a gente é.
Então
por que tantas vozes, quase o planeta todo, as galáxias inteiras entoam,
insistem que a gente só é, só pode querer ser mulher? E por que tantas
famílias, feudos, igrejas, nações, árbitros, reinados, gerações, acordos,
dinastias, estatutos, tantos universos ficam zombando da gente, diminuindo essa
competência, esse poder de ser tanto, muito mais? Virou mania, hábito ruim,
vício dos infernos encher o peito, engrossar a voz, apontar o porrete pra gente
dizendo que a gente é nada, a gente é só mulher. Que ângulo miúdo, redução
descabida, que miséria de interpretação pra gente, meu Deus!
Quase
terceira década do século XXI, tanto drone, androide, cada sistema tecnológico sinistro,
artifícios, prótese cardíaca, clone, tribuna virtual, a ciência reproduzindo
coelhos e informações em nuvens, e a gente ainda sendo desrespeitada, e nossa
fala mimimizada. E a gente vem de uma luta do sempre, desde a tetravó, hecatovó,
desde que nasceu com vagina (e com clitóris, esse sujeito incompreendido),
desde que menstruou, pariu, ganhou ruga — luta que vai continuar depois do nome
tinto na lápide. A gente pelejando, com delicadeza ou ira, elencando argumento
contra o preconceito, contra a violência doméstica, contra o desgaste da tripla
jornada de trabalho, a desigualdade salarial, as cantadas rasteiras, a indiferença,
contra o estupro e a culpa que impõem à estuprada, contra a impunidade, a
fofoca, contra os padrões estéticos, contra os odiosos manterrupting, bropriating,
gaslighting e todas essas violências
de gênero até ontem sem nome, mas que se repetem há eras.
Ano
2017 depois de Cristo Jesus (filho de Maria, aquela que foi o sacrário vivo, Mãe
de Deus e nossa), e a gente aqui desenhando que as tarefas domésticas precisam
ser divididas, os cuidados com os filhos devem ser compartilhados, que a gente tem
direito ao lazer, ao estudo e ao trabalho digno, que a gente é dona do próprio
corpo e não deve ser apenada por envelhecer. Ah, que canseira! A gente querendo
registrar a verdade da gente, mas tendo de escrever tudo ligeiro, porque a
gente não pode parar nunca. E a gente pelejando pra ser agente da própria
liberdade transformadora, a gente desejando decidir a mulher que a gente quer
ser.
Manterrupting:
Quando um homem interrompe uma mulher constantemente, de maneira desnecessária,
não permitindo que ela consiga concluir sua frase.
Bropriating:
Quando um homem se apropria da mesma ideia já expressa por uma mulher, levando
os créditos por ela.
Gaslighting:
Abuso psicológico que leva a mulher a achar que enlouqueceu ou está equivocada
sobre um assunto, sendo que está originalmente certa. É um jeito de fazer a
mulher duvidar do seu senso de percepção, raciocínio, memórias e sanidade.
Definições:
http://movimentomulher360.com.br/2016/11/mm360-explica-os-termos-gaslighting-mansplaining-bropriating-e-manterrupting/
Maria Amélia Elói, crônica publicada na antologia Mulherio das Letras - Contos & Crônicas, volume 3, Ed. Mariposa Cartonera.
Maria Amélia Elói, crônica publicada na antologia Mulherio das Letras - Contos & Crônicas, volume 3, Ed. Mariposa Cartonera.
0 comentários:
Postar um comentário