Seguro,
seguro, ninguém está. Livre das balas perdidas, imune à dengue ou ao colesterol
alto, incólume ao preconceito, a salvo de traições, vacinado contra “Eu quero
tchu, eu quero tchá”, isento de impostos, resistente ao estresse, vedado contra
suborno, dispensado do voto, falto de risco iminente, fora do alvo da morte, personne.
Desconheço
tecnologias 100% eficientes de blindagem contra o mal. Para escapar de
possíveis acidentes e de crimes cada vez mais deliberados, prefiro a oração
fervorosa – gratuita e menos invasiva que a maior parte dos equipamentos de
segurança pessoal. Meu búnquer é uma capela doméstica, adornada com meus santos
de devoção. Mas minha fé não vem ao caso agora. Cada um se defende como pode.
Enquanto
a violência procria em qualquer habitat, cresce o número de cidadãos apavorados
que se cativam nas próprias residências. Na tentativa de se proteger, reforçam
portas e janelas, blindam vidros e constroem aposentos secretos – casamatas a
serem usadas como refúgio da família em caso de assalto ou sequestro. Uma
reportagem da Veja de seis anos
atrás contava que, naquela época, já havia mais de cem
búnqueres em residências brasileiras. (Perdoem-me os puristas; mas,
aportuguesada, a palavrinha ficou esquisita, hein? Então, como já esnobei o
plural de hambúrguer, ou melhor, de búnquer, vou mudar a grafia do termo daqui
em diante.) A matéria jornalística se referia a bunkers de verdade, edificados sob a casa ou o quintal, com direito
a isolamento total, paredes revestidas de chapas de aço, geradores de
eletricidade, linhas telefônicas privativas e estoques de mantimentos. Esse
número já deve ter ultrapassado as 500 moradias, hein? Dia a dia, a população
gasta mais em segurança privada, tendo crescido a obsessão por redomas.
Meus
conhecidos não têm casamatas. Pelo menos que eu saiba. A maior parte deles usa
grades, cadeados, trancas, cercas elétricas e alarmes para garantir a segurança
de seus veículos e casas. Alguns já foram sequestrados; quase todos,
assaltados. Sons de carro roubados, portas arrombadas nem são mais novidade. As
vítimas preferem nem procurar a delegacia para registrar ocorrenciazinhas
fúteis assim. Muitos amigos já sofreram com a clonagem de cheques e cartões,
entre outras fraudes. Um primo professor foi assassinado quando saía do
trabalho. A colega de uma sobrinha apanhou de uma gangue de meninas no pátio da
escola: perdeu as unhas postiças, muitos fios implantados de cabelo e o celular
com capinha da Hello Kitty. Será que as instituições de ensino têm perdido seu
caráter de fortaleza?
Citei
alguns tipos de violências factíveis, concretas. Mas o que fazer para se poupar
dos ataques verbais, das humilhações, da negligência, falta de diálogo,
incompreensões, fraudes amorosas e do bullying?
Como se preservar dessas brutalidades “menores”, “frescuritizinhas” que passam
despercebidas por outrem?
Quem
se sente psicologicamente coagido demais procura construir um bunker a sua maneira. Algumas pessoas
decidem usar o divã do terapeuta como escudo; muitas pedem ajuda a drogas;
outros frequentam templos ou grupos de oração; muitos outros se ensimesmam,
infelizes com a dor do silêncio que lhes lateja na alma; alguns optam pelo
suicídio. Estes últimos devem considerar que o sepulcro seja a casamata mais
segura de todas, onde a perturbação orle o zero – exceto em casos de exumação
do corpo ou assalto a cemitérios, dentre outras possibilidades esquisitas.
Também
há como se esconder por trás de um outro perfil, de uma máscara ou avatar. Pelo
menos no mundo virtual, o procedimento é bem utilizado. Para se vingar dos
insultos sofridos pelos colegas de classe ou pelos parceiros, demonstrar
maturidade e autoaceitação, proclamar-se lindo, inteligente, querido e
poderoso, o sujeito toma para si uma identidade fantástica. Assim, pela
internet, agrega seguidores, fãs, súditos, amantes... Enquanto o mundo real o
oprime, o indivíduo se relaciona muito bem com os entes do mundo virtual –
desvencilhando-se inclusive dos ataques terroristas dos pais, amigos, irmãos,
professores e companheiros. Não sei se é saudável e eficiente, mas a internet é
um bunker bem mais barato que os
tradicionais.
Seguro, seguro, ninguém está. Mas não vou construir
nenhuma casamata, não. Deus me proteja! Quero zanzar bem livre por aí, mesmo
correndo o risco de ouvir o Despacito na esquina.
Maria Amélia Elói
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