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segunda-feira, 26 de junho de 2017

Como lidar com os terrorismos?

Seguro, seguro, ninguém está. Livre das balas perdidas, imune à dengue ou ao colesterol alto, incólume ao preconceito, a salvo de traições, vacinado contra “Eu quero tchu, eu quero tchá”, isento de impostos, resistente ao estresse, vedado contra suborno, dispensado do voto, falto de risco iminente, fora do alvo da morte, personne.
Desconheço tecnologias 100% eficientes de blindagem contra o mal. Para escapar de possíveis acidentes e de crimes cada vez mais deliberados, prefiro a oração fervorosa – gratuita e menos invasiva que a maior parte dos equipamentos de segurança pessoal. Meu búnquer é uma capela doméstica, adornada com meus santos de devoção. Mas minha fé não vem ao caso agora. Cada um se defende como pode.
Enquanto a violência procria em qualquer habitat, cresce o número de cidadãos apavorados que se cativam nas próprias residências. Na tentativa de se proteger, reforçam portas e janelas, blindam vidros e constroem aposentos secretos – casamatas a serem usadas como refúgio da família em caso de assalto ou sequestro. Uma reportagem da Veja de seis anos atrás contava que, naquela época, já havia mais de cem búnqueres em residências brasileiras. (Perdoem-me os puristas; mas, aportuguesada, a palavrinha ficou esquisita, hein? Então, como já esnobei o plural de hambúrguer, ou melhor, de búnquer, vou mudar a grafia do termo daqui em diante.) A matéria jornalística se referia a bunkers de verdade, edificados sob a casa ou o quintal, com direito a isolamento total, paredes revestidas de chapas de aço, geradores de eletricidade, linhas telefônicas privativas e estoques de mantimentos. Esse número já deve ter ultrapassado as 500 moradias, hein? Dia a dia, a população gasta mais em segurança privada, tendo crescido a obsessão por redomas.
Meus conhecidos não têm casamatas. Pelo menos que eu saiba. A maior parte deles usa grades, cadeados, trancas, cercas elétricas e alarmes para garantir a segurança de seus veículos e casas. Alguns já foram sequestrados; quase todos, assaltados. Sons de carro roubados, portas arrombadas nem são mais novidade. As vítimas preferem nem procurar a delegacia para registrar ocorrenciazinhas fúteis assim. Muitos amigos já sofreram com a clonagem de cheques e cartões, entre outras fraudes. Um primo professor foi assassinado quando saía do trabalho. A colega de uma sobrinha apanhou de uma gangue de meninas no pátio da escola: perdeu as unhas postiças, muitos fios implantados de cabelo e o celular com capinha da Hello Kitty. Será que as instituições de ensino têm perdido seu caráter de fortaleza?
Citei alguns tipos de violências factíveis, concretas. Mas o que fazer para se poupar dos ataques verbais, das humilhações, da negligência, falta de diálogo, incompreensões, fraudes amorosas e do bullying? Como se preservar dessas brutalidades “menores”, “frescuritizinhas” que passam despercebidas por outrem?
Quem se sente psicologicamente coagido demais procura construir um bunker a sua maneira. Algumas pessoas decidem usar o divã do terapeuta como escudo; muitas pedem ajuda a drogas; outros frequentam templos ou grupos de oração; muitos outros se ensimesmam, infelizes com a dor do silêncio que lhes lateja na alma; alguns optam pelo suicídio. Estes últimos devem considerar que o sepulcro seja a casamata mais segura de todas, onde a perturbação orle o zero – exceto em casos de exumação do corpo ou assalto a cemitérios, dentre outras possibilidades esquisitas.
Também há como se esconder por trás de um outro perfil, de uma máscara ou avatar. Pelo menos no mundo virtual, o procedimento é bem utilizado. Para se vingar dos insultos sofridos pelos colegas de classe ou pelos parceiros, demonstrar maturidade e autoaceitação, proclamar-se lindo, inteligente, querido e poderoso, o sujeito toma para si uma identidade fantástica. Assim, pela internet, agrega seguidores, fãs, súditos, amantes... Enquanto o mundo real o oprime, o indivíduo se relaciona muito bem com os entes do mundo virtual – desvencilhando-se inclusive dos ataques terroristas dos pais, amigos, irmãos, professores e companheiros. Não sei se é saudável e eficiente, mas a internet é um bunker bem mais barato que os tradicionais.
            Seguro, seguro, ninguém está. Mas não vou construir nenhuma casamata, não. Deus me proteja! Quero zanzar bem livre por aí, mesmo correndo o risco de ouvir o Despacito na esquina. 

                Maria Amélia Elói

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