Levavas um vestidinho
de um tecido sedoso enrameado que a Primavera começara e tu sempre gostaste de
vestidinhos vaporosos. Tinha manguinhas franzidas no ombro que mal cobriam o
cotovelo e, do decote em bico, bem rasgado sobre o teu seio farto, saiam meia dúzia
de botõezinhos forrados no rosa velho das florinhas que salpicavam o tecido em
tom de pele de rato muito clarinho. A roda da saia era apenas a que resultava de
quatro pregas, fundas como quatro dedos unidos, que abriam mal saiam da
cintura. Fizera-to a Aninhas a quem pediste que guardasse segredo, mas que o
vestido era para ires de noiva, e ela abriu a boca mas não disse o que quer que
fosse que, se era segredo, o que ela devia era cumprir o seu dever de
costureira e ter o vestido pronto no aprazado dia que seria Sábado de Aleluia,
como tu tinhas dito e já tinha sido Domingo de Ramos.
Uma correria. E Aninhas, a
pensar nas noitadas costurando-te o vestido, não fez comentários que não fosse
dizer-te cada uma das medidas que ia apontando num caderninho de capa gasta
pelo uso. E quando te mediu as ancas e a cintura, repetiu a medida tornando a
envolver-te o corpo com a fita enegrecida de tantas dedadas. Mas, além de
enumerar em voz audível, os centímetros que ia escrevinhando no caderno, manteve-se
discreta, tão discreta que tu, antes de saíres, e tendo já marcado o dia da
prova, lhe disseste, peremptória: casamos pela igreja, a seguir à missa do meio
dia; e saíste sem olhar a cara de espanto da Aninhas.
Casaste, sim, nesse
sábado e, quando entraste na igreja, havia um odor intenso a alecrim que te
deixou ainda mais almareada do que já estavas e, comentaram as tias, seria da
ansiedade.
Elas lá estavam as
tuas tias maternas, ambas senhoras de respeito, ambas solteiras e com
carrapitos enfeitados por chapelinhos e redes que lhes desciam pelo rosto; e
casacos, como se estivesse frio e na igrejinha estava, realmente, fresco, mas
lá fora abafava naquela hora de meio-dia e um quarto que tu olharas o relógio
do campanário quando o senhor Almerindo te abriu, cerimonioso, a porta do carro
de praça em que te trouxe e mais o teu padrinho Henrique que desceu a seguir a
ti com o chapéu na mão, envergando o mesmo fato preto com que se tinha casado e
ficara viúvo. A gravata era nova. Comprara-a na última ida à cidade: dourada
com salpicos encarnados. A empregada da loja tinha-lhe, até, dito: parece um
rapaz novo! e o teu padrinho nem tinha apreciado. Elegantes, tu e ele que te
deu o braço como se fora o pai de quem nunca tinhas sabido sequer o nome.
Defronte ao altar, ajoelhaste
no genuflexório de madeira escura forrado a veludo vermelho e fizeste o sinal
da cruz numa lentidão que era modo de atalhares o desassossego em que estavas,
e balbuciaste, os olhos postos no sacrário: meu Deus, ajudai-me.
Nunca mo contaste: eu
fui adivinhando.
Adivinhei-te como o
fez a Aninhas a medir-te a cintura e as ancas.
Hoje, que passa novo
Sábado de Aleluia, confesso-te. Hoje que o tempo para ti já nem tem significado
e mais centímetro, menos centímetro nada dizem do teu corpo.
Esqueci-me de
escrever que levavas uma encharpe, um veu grande rendado e alvo que te tapava o
corpo até ao quadril e te cobria as duas tranças presas no alto.
E não disse, nem vou
dizê-lo, quem era o teu noivo que veio vestido de creme com um papilom cor de
ervilha no pescoço. Adivinhe quem leu.
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