Pra que outro filho, Maria? Já não basta? Ouvia dos amigos,
irmãos, vizinhança, até da mãe. Mais um? Pra que mais tormento? E nova barriga
se espichava, ano sim, ano sim. Botar no mundo pra sofrer e fazer sofrer? Ideia
de jerica.
E Maria continuava gerando vida, certa de que assim era o certo,
não exagerava. Casa sem berço é tristeza. Lar sem criança, aridez.
O marido não concordava nem se opunha. Pois se era isto que
movia a mulher: a chance de ser mãe de novo e de exibir o quartinho amontoado
de anjos. Teimosia? Dádiva? Não planejava
nada, não remediava. É Deus quem dá. Ela sempre se alegrava com as boas-novas
que chegavam, embrulhadas em fome e choro. Nem dormir fazia falta. Acostumou-se
logo a atender filho doente e ninar filho manhoso. Um atrás de outro, às vezes
um junto com outro.
Tinha pouco estudo, nenhum dinheiro. Não seria doutora nem
teria luxo. Nunca viajaria para o Exterior nem conheceria Marte. Parar de parir
por quê? Ir contra a natureza, se meu ventre acolhia tão bem cada nativo, se o
mundo me pedia mais presente?
Andaram receitando umas ervas pra ela, umas pílulas,
livramentos; mas ela rejeitou tudinho. Quem disse que eu quero tirar? Nem a
cirurgia fez efeito. Engravidou logo depois e nem ficou triste. Só entendia de
silêncio, aceitação, obediência. Andaram catequizando a mulher a favor do
aborto, do direito de escolher.
Respeitem a minha opção. Eu só presto pra isso. Me deixem ter
meus filhotes.
Você também pode doar os bebês, Maria. Tanta gente querendo
adotar filho saudável. Vocês passando tanta necessidade.
Nada disso. Ninguém sai daqui. É tudo meu. Sadio ou doente. Quanto
mais, melhor.
Não se podia negar. Era boa parideira, jorrava leite e
energia. Nunca se viu tão bom aproveitamento da idade fértil. E começou cedo,
na adolescência. E demorou chegar à menopausa. Gostava de pelejar com os
pequetitos e vê-los crescendo, ganhando peso, arranjando asa nesse mundo. E uns
ajudando a cuidar dos outros, bebês virando adultos. Mãe e avó ao mesmo tempo. Dividia
os grãos, cada vez em menor número, dentre cada vez mais bocas! E todas queriam
comida e carinho. Mas não lamentava.
Ninguém entendia Maria. Em tempos tão difíceis, arrumar tanta
criança! Em tempos tão modernos, meu Deus, quando já existe tanto jeito de
evitar. Um filho, dois no máximo. É doida essa Maria.
O rebanho aumentava como bênção. Chuvinha fina, gotejando
dentro de casa, transbordando nos colchões amontoados. Era menina, menino,
menina, menino. Muita doença, muita falta, dificuldade no sustento; mas o colo
de Maria estava sempre ali para acalmar, acomodar. Dava conta de tudo. Acalentava
os filhos como quem nina o próprio Cristo. E eram tantos, que nem havia espaço
para ciúme, disputa, egoísmo, discussão naquela casa. Havia uma história de paz
costurando aquele povo. Tanta gente precisada, e uma harmonia que não se vê
fácil por aí.
Quando morreu, missão cumprida, dezenas de filhos, netos,
bisnetos, ninguém ousou criticar a opção de Maria. Só se ouvia elogio àquela
que, enfim, descansava. Sequer reclamaram do testamento miserável. O silêncio
sofrido que se ouvia no velório era de gratidão. Velavam ali uma grande defensora
dos direitos humanos. Cada descendente depositou uma flor do campo sobre a urna. Nossa
Senhora da Esperança, Nossa Senhora do Presépio, Nossa Senhora da Natividade. Cada um rogava. Obrigada, dona Maria, por tanta vida causada.
Maria Amélia Elói
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