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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Beethoven e o Telessexo - Por Manoel Herzog (convidado especial)


“Sex Call-Center, boa noite, com quem falo?
“Ludwig van.”
“Boa noite senhor Lúdi, hoje estamos tendo uma noite promocional, estamos disponibilizando: vozes louras, disque 1; índias, disque 2; asiáticas, disque 3; outras etnias disque 4.”
Desde uma Europa branca, erudita e cansada, desejoso de uma voz negra-blues-singer-gospel, disquei o quatro.
“Certo, senhor Lúdi, ainda fala comigo. Que tipo de etnia o senhor estaria desejando?”
“Na verdade uma voz negra, que case bem o ritmo com minha linha melódica. Questão de harmonia.”
“Certo, senhor Lúdi, vamos estar direcionando o senhor para a atendente Sarah. Bom divertimento. O número de seu cartão de crédito, por favor.”
Durante a operação tive a satisfação egóica de sempre que ligo no telefoda – ouvir uma composição minha.
“tananã – nanã – nanã – nanã
tanananã – tanananã…”
Para melhor compreensão do meu Für Elise aplique à onomatopeia acima a melodia do caminhão de gás.
Superado o entrave burocrático, fui direcionado à voz mais exuberante que já vi. Claro, me venha dizer que não se vê uma voz e eu contesto, a partir da sua linha limitada de raciocínio tampouco se gozaria no sexo só por ouvir, e a gente goza. Nunca tinha visto, visto mesmo, uma voz tão exuberante quanto a de Sarah.
“Sarah Vaugham, boa noite, com quem estou falando?”
“Ludwig van.”
“Ai, que nome lindo, amor. Estou ficando molhadinha só de estar ouvindo a sonoridade.”
‘É, vagabunda? fala pra mim, você deve ter um bundão gostoso, gostoso pra gente encher a mão.”
“Claro, amor, estou tendo uma bunda enorme, perfeita, só pra você. Esteja me batendo, me dando tapinha gostoso.”
Sarah tinha uma voz exibicionista, sabia de seus recursos vocais, arrasava na perfomance. Me fez esquecer por momentos minha solidão, minha reclusão, meu mundo matemático de música exata, remeteu a uma África ancestral às melodias européias, ensinou ritmo, batida, axé, remelexo. Fez esquecer o escroto do meu sobrinho fanqueiro, que sou obrigado a criar porque o pai morreu de desgosto. Sou pedra dura, comigo ele se fode, vai acabar enlouquecendo, antes ele do que eu, ainda se mata esse puto. Esqueço com Sarah da minha personalidade difícil, minha misantropia, minha reclusão, esse quarto de silêncios.
“Conta pra mim, neguinha, que que você está fazendo agora.”
“Estou estando peladinha pra você, amor, estou me tocando gostoso.”
“Nossa, tô peladão também. Tocando as teclas do meu piano mágico, ebony and ivory living together.”
“Isso, amor, esteja tocando, esteja tocando gostoso, aaaiiiiii.”
“Goza, goza, gostosa.”
“Vou estar gozando, vou estar gozandooooo.”
“Eu idem. Gozei, tchau.”
O preço da ligação é absurdo e, satisfeita a necessidade do instinto, nada justifica postergar os minutos telefônicos pra nada. Não há cigarrinho a dividir no telefone, não há comunhão no pós-venda.
Findo o ato, sempre me vem essa noia. Um arrependimento por viver, um vazio da alma, um vácuo de sons puros, um ruído de engarrafamento a poluir meu silêncio musical. Os gerúndios da atendente de telemarketing, lembrados, me faziam engulhar, e vi que a vida, o sexo comercial, a superficialidade das relações humanas submetidas ao mercado, eram tudo uma grande duma merda. Foi a partir daí que comecei a ficar progressivamente surdo. Os psicólogos chamam isso “ouvido seletivo”.

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