A
imagem que a ciência fornece de si própria é a de uma comunidade
de investigadores teóricos e técnicos empenhada numa persistente
exploração do mundo, em todos os seus aspetos,
acumulando mais conhecimento ao que as gerações de investigadores
anteriores legaram, aproximando-se paulatina mas inexoravelmente de
desvendar os segredos últimos do universo. Thomas Kuhn (1922–1966), um ex-físico
teórico, veio agitar esta imagem com a sua obra A
Estrutura das Revoluções Científicas,
de 1962, na qual propôs a seguinte tese genérica:
— a atividade
da ciência normal consiste na resolução de enigmas, confirmando a
concordância dos factos com a teoria, no âmbito de um
determinado paradigma seguido pela comunidade de cientistas dessa
área;
—
quando o número ou a importância das anomalias, nos resultados
esperados, tornam o paradigma insustentável, abre-se uma crise no
seio da comunidade;
—
desencadeia-se, então, uma revolução científica que traz novas
teorias e práticas científicas, configurando um novo paradigma;
—
aceite o novo paradigma pela comunidade científica, dissimula-se o
antigo e entra-se num novo período de ciência normal.
Esse texto — pelo que tem de perturbação da tradicional imagem da ciência, sobretudo a do seu pretenso carácter cumulativo — tem ocupado, desde então, o centro das discussões sobre a capacidade da ciência aceder ao conhecimento e sobre a validade do que é tomado como verdadeiro.
Período
pré-paradigmático
Na
fase primitiva do desenvolvimento de uma ciência, quando ela se
constitui como disciplina independente, geralmente, autonomizando-se
em relação a um complexo mais vasto de áreas de conhecimento, é
frequente que várias conceções de natureza estejam em competição,
tentando ganhar primazia na resolução dos problemas que a
comunidade científica da área considera mais importantes. A
amplitude do campo de estudos é grande; inversamente, a precisão
ainda é muito reduzida. Olha-se para um mesmo fenómeno e
descreve-se de maneiras diferentes. «Na ausência de um paradigma,
todos os factos que possivelmente são pertinentes ao desenvolvimento
de determinada ciência têm a probabilidade de parecerem igualmente
relevantes», pelo que as primeiras recolhas de factos aproximam-se
de uma atividade ao acaso. (Kuhn) Sendo baixa a clareza na
explicitação da teoria e pouco rigorosos os procedimentos
metodológicos, cada escola não consegue impor-se às outras, nem
constituir um paradigma. Aliás, os debates a respeito de métodos,
problemas e soluções servem mais para definir escolas do que para
gerar acordos. Por não existir um consenso do conjunto de
pré-cientistas num corpo de crenças, cada um sente-se forçado a
construir o seu campo de estudos, desde os fundamentos. Nessa fase,
os pré-paradigmas não excluem os concorrentes — não conseguem —,
como acontecerá mais tarde, quando um deles atingir o estatuto de
paradigma.
Então,
uma das escolas pré-paradigmáticas ganha ascendente, por enfatizar
apenas parte do corpo de estudos ou por ser mais convincente,
sobretudo por as suas teorias parecerem melhores do que as
competidoras, mesmo que deixe por explicar alguns factos dos que
estão em controvérsia. As escolas concorrentes desaparecem, quer
pela conversão dos cientistas ao paradigma triunfante, quer pela
marginalização dos defensores de teorias vencidas, mas que se
mantêm irredutíveis.
Paradigma
Paradigma
é o conceito central da tese de Kuhn; é o conjunto inextricável de
teorias, leis, aplicações, procedimentos e dispositivos utilizados
por uma determinada disciplina. Constitui-se através do sucesso em
uma ou várias descobertas científicas que a respetiva comunidade
científica considera suficientes como base para outros trabalhos.
Representa um consenso em relação ao âmbito e à prática de uma
ciência: os seus cientistas obedecem às mesmas regras e normas. A
vantagem que um ganha sobre outro é, sobretudo, promessa de sucesso,
mais que eficácia comprovada, seja «a análise aristotélica do
movimento, os cálculos ptolomaicos das posições planetárias, o
emprego da balança por Lavoisier ou a matematização do campo
eletromagnético por Maxwell». (Kuhn) Fornece problemas e soluções
modelares e promete uma previsibilidade genérica de resultados, no
âmbito dessa ciência. Cada sucesso confere maior certeza ao
paradigma e dá alento para o testar num âmbito mais amplo, mas
sempre dentro dos pressupostos das teorias e procedimentos aceites.
O
paradigma é o modelo pelo qual se rege a ciência normal, a que
atingiu o estado de tradição coerente, isto é, um nível de
confiança nos resultados e de autoconfiança na capacidade de
encontrar soluções para os problemas futuramente levantados. Esse
bloco coerente de uma determinada ciência é sintetizado pelos
historiadores com nomes como Astronomia Ptolomaica, Dinâmica
Newtoniana, Ótica Corpuscular. Através do comprometimento com o
paradigma, os cientistas resolvem «problemas que mal poderiam ter
imaginado e cuja solução nunca teriam empreendido.» (Kuhn)
A
sua existência é uma realidade; basta constatar que, nas ciências
humanas, «um mesmo comportamento é explicado segundo princípios
diferentes pela sociologia, pelas neurociências, pela economia,
pela psicologia ou pela sociologia cognitivista.» (Boudon)
O
paradigma é o universo teórico e prático que o estudante encontra
nos manuais em que se prepara para vir a ser um cientista. O modelo,
bem estruturado, dessa fatia de mundo, permite-lhe concentrar-se no
seu estudo, aprofundar uma determinada área, com a segurança de
conceitos que o paradigma lhe fornece, sem ter de confirmar cada um
dos seus pressupostos. Pode iniciar as suas pesquisas no ponto em que
o manual se interrompe. Não precisará de as incorporar em obras
genéricas, em que cada passo tivesse que ser explicado. Serão,
habitualmente, artigos dirigidos aos pares, pessoas que conhecem o
paradigma e têm facilidade em mergulhar nos seus aspetos mais
esotéricos.
Ciência
normal
A
atividade da ciência normal consiste na resolução de enigmas,
conforme dito atrás, no contexto de um determinado paradigma. Parte
do pressuposto de que a comunidade científica sabe como é o mundo.
Intenta forçar a natureza a encaixar-se nos limites preestabelecidos
pelo paradigma. Todos os campos que o extravasem são ignorados e
qualquer anomalia de resultados que surja no âmbito da resolução
ordinária de enigmas é tratada com desconfiança e animosidade. Não
tem por objetivo descobrir novos factos, nem inventar novas teorias.
Aliás, os cientistas são, geralmente, intolerantes em relação a
novas teorias inventadas por outros.
Os
enigmas são os problemas previstos no paradigma que gere o seu
funcionamento. Nunca se percorrem caminhos investigatórios que não
estejam inscritos no “mapa” fornecido pelo paradigma. «Uma das
razões pelas quais a ciência normal parece progredir tão
rapidamente é a de que os seus praticantes concentram-se em
problemas que somente a sua falta de engenho pode impedir de
resolver.» (Kuhn)
Fundamentalmente,
trata-se de confirmar que os factos concordam com a teoria seguida.
Cada quebra-cabeças resolvido não constitui uma surpresa, pelo
contrário, é esperado, porque a adoção de um paradigma lega um critério de escolha de problemas com solução
assegurada.
Embora
os resultados possam ser antecipados com alguma certeza, a maneira
instrumental, concetual e matemática de alcançar esse resultado é
o quebra-cabeças que constitui grande parte da motivação e do
fascínio sentido pelo cientista. (Kuhn)
«O que o incita ao trabalho é a convicção de que, se for
suficientemente habilidoso, conseguirá solucionar um quebra-cabeças
que ninguém, até então, resolveu ou, pelo menos, não resolveu tão
bem.» (Kuhn)
Não se trata exatamente
de um passatempo, porque existem outras motivações envolvidas —
desejo de ser útil, esperança de encontrar ordem, excitação da
exploração de um novo território —
e os resultados são aproveitados e utilizados na produção
científica e industrial.
Ao
produzir resultados previstos pelo paradigma, este torna-se mais
fiável e “verdadeiro” aos olhos dos investigadores. Paradigma e
ciência normal são conceitos que se apoiam mutuamente. O que se
perde em criatividade ganha-se em profundidade e precisão, porque
sendo o âmbito de cada paradigma muito limitado, favorece-se a
investigação exaustiva, intensa e rigorosa dessa fatia de mundo. No
entanto, segundo Michael Polanyi, «o êxito do cientista depende, em
grande parte, de um tipo de conhecimento particular, os conhecimentos
tácitos,
que se adquirem pelo exercício prático, não pela explicitação
teórica.» Estes, referenciais do intelecto obtidos da experiência,
mas pessoais e dificilmente transmissíveis, servem de modelos de
comparação às associações que estão na base do fenómeno da
intuição, cujo processo, mantendo-se obscuro, ganha vivacidade e
prodigalidade através do empenhamento num trabalho de aproximação,
meditação e indagação exaustiva do problema. «O caminho que leva
do estímulo à sensação é parcialmente determinado pela
educação.» (Kuhn)
Anomalias
Embora
a ciência normal não procure novos factos ou novas teorias, eles
surgem, no contexto da heterogeneidade de procedimentos e
equipamentos exigida para a solução dos quebra-cabeças. Aliás, a
ciência normal, com o seu rigor de procedimentos e medida de
resultados, é uma excelente detetora de anomalias. São descobertas
que manifestam que a natureza violou as expectativas prometidas pelo
paradigma. O seu traço característico é a recusa a serem
assimiladas aos paradigmas existentes. Tais factos anómalos
introduzem uma primeira perturbação na tradição dessa ciência,
que, geralmente, começa por negá-los ou tirar-lhes importância.
Confirmada
a anomalia, a comunidade cientifica ganha consciência da
insuficiência do paradigma e empreende uma exploração intensiva do
domínio em que ela foi detetada.
Podem surgir novas teorias. Eventualmente,
a anomalia não será muito profunda e será possível reajustar o
paradigma de modo a englobar a previsão do fenómeno anómalo. No
entanto, nem sempre é possível alterar o paradigma de maneira a
poder conter o dito fenómeno inesperado. Por vezes, a importância
da anomalia, o número de anomalias, ou a sua resistência às
soluções são tais que põem em causa a credibilidade e a
eficiência do paradigma para continuar a modelar a atividade
científica dessa área, pelo que se abre uma crise.
Crise
Num
período de crise de paradigma, existe muita controvérsia acerca do
paradigma e da anomalia que o pôs em causa. Numa primeira fase, os
cientistas têm a tendência para cerrar fileiras na defesa do
paradigma em que se movem. Diminui a confiança, devido ao fracasso de os quebra-cabeças darem os resultados previstos na área da
anomalia. A sensação de fracasso pode ser tanto mais intensa quanto
se pensasse ter resolvido ou estar prestes a resolver alguns
quebra-cabeças importantes. A frustração advém de que não se
trata de refazer cálculos ou ser rigoroso nos procedimentos, mas de
que se está no limiar da desconfirmação total.
Aos
poucos, muitos cientistas vão-se afastando do paradigma, embora
nenhum paradigma seja abandonado enquanto não existir outro que o
substitua. A ciência, de normal, passa a extraordinária.
Concentram-se esforços na resolução da anomalia, afrouxando a
fixidez das regras recomendadas e buscando soluções com recurso até
a áreas externas, e às vezes afastadas, da disciplina em causa,
nomeadamente a Filosofia. A solução pode já ter sido entrevista no
passado, só que num período em que a ciência não estava em crise,
pelo que a solução foi ignorada.
Eventualmente,
a ciência conseguirá voltar à normalidade anterior, quer
conseguindo eliminar a anomalia, quer isolando-a, mas, não o
conseguindo, acabará por surgir uma nova teoria com pretensões
paradigmáticas.
A
crise é fundamental à emergência de nova teoria. Esta é uma
teoria que necessariamente engloba e explica a anomalia que deu
origem à crise.
Assimilada
a descoberta, os cientistas podem dar-se conta de um maior número de
fenómenos ou explicar com mais rigor alguns já conhecidos. Isso é
devido a serem descartados procedimentos e crenças aceites
anteriormente.
Revolução
científica
O
novo paradigma não surge de uma acumulação de conhecimento baseado
no velho paradigma. Afirma-se como completamente novo e vem alterar
profundamente e reorganizar o domínio da ciência em questão, pelo
que é apropriado chamar revolução científica a este processo,
associando-o aos períodos de reorganização social profunda. Dá-se
uma desintegração da tradição desenvolvida pela ciência normal.
Aumenta a insegurança. Muitos cientistas veem mudar as regras que
regiam a sua prática, alguns veem postos em causa os pressupostos
dos trabalhos em curso ou mesmo concluídos. Não se trata de
acrescentar uma adenda, mas de reavaliar os factos em que se
basearam.
Nem
sempre uma nova teoria entra em confronto com qualquer anterior; pode
referir-se a fenómenos desconhecidos, até aí, como a teoria
quântica, ou ser mais abrangente, como a teoria da conservação da
energia, e englobar outras de nível inferior, que não são
alteradas.
A
solução que dá origem a um novo paradigma pode surgir como uma
iluminação repentina, como se, de repente, caíssem as vendas que
os cientistas usavam. Não é correto
falar-se de interpretação, mas de fulguração intuitiva. Alguma
conexão neuronal é estabelecida, alguma associação inconsciente
dá frutos. Para exemplificar a maneira diferente como os cientistas
percebem o mesmo fenómeno que miravam antes, e agora veem
como algo diferente, Kuhn fala dos testes Gestalt,
em que, num dado momento, por exemplo, se vê um pato e, no momento
seguinte, salta à vista a forma de um coelho, no mesmo desenho, com
os mesmos traços. O cientista do novo paradigma passa a ver, por
exemplo, a Terra a girar em torno do Sol, quando antes só conseguia
ver o Sol a girar em torno da Terra. A alteração é tal que até a
parafernália instrumental se altera, para dar resposta aos novos
problemas, e até as perguntas que se põem aos fenómenos são
diferentes. Não só o novo paradigma explica e dá solução a mais
problemas, como se manifesta inconciliável com o antigo. Kuhn fala
mesmo de incomensurabilidade, uma impossibilidade de usar a mesma
medida para ambos, como num elefante e num sonho.
Regresso
à ciência normal
Instalando-se
o novo paradigma, sucede algo semelhante ao que sucedeu aquando da
formação de cada ciência: o novo paradigma vai ganhando adeptos,
enquanto o velho os perde. A conquista de aderentes, no entanto, não
é instantânea e fulminante; eles vão-se aproximando num processo
que deve muito à persuasão e à sedução, mas, como os paradigmas
são incompatíveis, não se pode ficar a meio-caminho, pelo que a
adesão ao novo tem um caráter semelhante ao da conversão
religiosa. O paradigma antigo, por outro lado, mantém defensores
irredutíveis, mas que vão sendo excluídos do sistema — são
ignorados e os seus trabalhos rejeitados. Gradualmente, multiplica-se
o número de experiências, de instrumentos, de livros baseados no
novo paradigma.
Um
aspeto importante relacionado com o regresso ao funcionamento normal
da ciência é o dos manuais pelos quais aprendem os novos
cientistas. Cada nova revolução científica obriga à sua
atualização, fazendo-se esta pela dissimulação dos aspetos
parcelares da história que conduziram ao antigo paradigma e até da
existência de revoluções precedentes. Os cientistas não dispõem
de um equivalente ao museu de arte, de que os artistas dispõem. O
novo paradigma é apresentado como se toda a história anterior dessa
ciência fosse um caminhar inexorável na sua direção, como se o
conhecimento tivesse sido cumulativo. Ora, o que Kuhn vem mostrar é
que as revoluções científicas introduzem mudanças de direção da
ciência e que os vários paradigmas que a sua história viveu são
patamares que pouco têm que ver uns com os outros e são, muitas
vezes, totalmente incompatíveis. Os novos cientistas, assim
industriados, tornam-se eficazes a lidar com os problemas do novo
paradigma, mas ignoram essas tergiversações do percurso da sua
ciência, vendo-se como alpinistas que contemplam e dominam a
paisagem circundante, como se fossem continuadores de antigos
alpinistas que escalaram os primeiros contrafortes dessa montanha,
quando, na coerência da metáfora, escalaram e atingiram o topo de
outra montanha afastada desta.
A
ciência progride, sim, no sentido de evolução, tanto na fase
normal, em que é cumulativa, como, principalmente, na fase
extraordinária, o que não significa que se aproxima mais da
verdade. Sobretudo, não se pode dizer que tenha um fim. À maneira
do que acontece com os organismos vivos, que Darwin interpretou, as
revoluções científicas são como que as mutações que habilitam
as ciências com vantagens adaptativas, em relação ao período
regido pelo paradigma anterior. Aumenta a precisão e a
especialização, mas todo o processo não se orienta «para um fim
preciso, para uma verdade científica fixada e permanente». Cada
geração preocupou-se com os problemas próprios, como a atual
se preocupa com os seus, mas uns não se encadeiam nos outros, nem há
um fim definido, uma teleologia das ciências. (Kuhn)
Relativismo
Estas
asserções da obra de Kuhn ressumam relativismo. O relativismo
questiona a possibilidade de o conhecimento aceder ao real. Kuhn,
negando que haja conhecimento cumulativo e aproximação à verdade,
alimenta a tese relativista. O relativismo existiu em todas as
épocas, mas é paradoxal que se afirme numa época de inúmeros
sucessos das ciências. O que o impede que trave o desenvolvimento
das ciências?
Kuhn
afirma que cientistas de paradigmas diferentes vivem em “mundos
diferentes”, falam “línguas” diferentes, pelo que é
impossível qualquer diálogo. Embora tal entendimento pudesse
conduzir à conclusão relativista de que ambos os grupos pudessem
estar certos, Kuhn rejeita as críticas de relativismo, argumentando
que os cientistas são uma comunidade muito especial, cujo trabalho é
formular e resolver quebra-cabeças, apoiados, às vezes, em indícios
muito ténues mas reais. Entre dois paradigmas consecutivos, é-lhes
fácil determinar que o mais recente tem predicados de maior precisão
nas predições, especialmente quantitativas, e um maior número de
problemas resolvidos. «As teorias científicas mais recentes são
melhores que as mais antigas, no que toca à resolução de
quebra-cabeças nos contextos frequentemente diferentes aos quais são
aplicadas.» Kuhn diz que esta não é uma posição relativista e
revela que é um crente convicto no progresso científico.
Em
relação à maior ou menor cientificidade, também Kant quis dizer,
segundo Boudon, que «não existe um conjunto finito de critérios
que, como uma checklist,
possa ser aplicado para determinar se uma teoria é verdadeira. Em
contrapartida, é possível, em muitos casos, decidir com certeza a
favor de uma teoria contra outra. É por ser possível determinar com
base em razões sólidas se devemos preferir uma teoria a outra que
certas teorias desaparecem irreversivelmente em benefício de
outras».
Conclusão
Thomas
Kuhn, ao lançar em 1962 a obra A
Estrutura das Revoluções Científicas,
desencadeou, ele próprio, uma revolução na maneira como é entendido o desenvolvimento das ciências. Define uma imagem de cientista um pouco frívola, como alguém que se ocupa a resolver quebra-cabeças científicos, não procurando descobrir nada de verdadeiramente novo. Este panorama de falta de ambição descobridora só é perturbado quando os quebra-cabeças não dão os resultados esperados e mostram que há qualquer coisa de errado ou insuficiente na teoria. A crise assim desencadeada conduzirá, inevitavelmente, a uma revolução que alterará de alto a baixo o conjunto de teorias e procedimentos dessa ciência — aquilo a que Kuhn chama paradigma. O panorama que emerge dessa revolução é radicalmente diferente e incompatível com o anterior.
A tese de Kuhn tem a virtualidade de conter, ela própria, algo de paradigmático: pode ser aplicada a múltiplos aspetos da vida, da economia às ideias políticas. No entanto, não se aplica convenientemente à Filosofia, às artes, à Literatura, por serem refratárias a conformações paradigmáticas.
Apesar das críticas, a tese ainda não foi posta em causa por nenhuma “anomalia” grave, funcionando os seus radicais seguidores como ciosos defensores do paradigma, advogando que não há ciência sem pressupostos radicados em paixões e crenças e indo ao ponto de dizer que as teorias científicas podem não ter mais objetividade e garantia do que as mitologias.
Bibliografia
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Maria Luísa Couto, «Teorias da Verdade», in O que é o
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Joaquim
Bispo
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Imagem:
Jean-Léon Huens, Galileu explicando a topografia da
Lua a céticos, National Geographic Society, c. 1974.
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